Um sujeito me ligou à noite em casa. Poucas pessoas têm o meu telefone e por isso sempre fico meio preocupado quando o telefone toca. Depois de eu dizer alô ele já foi estrilando: “Que coisa mais desagradável você fez comigo!”. Ele ficou quieto. Eu reconheci a voz. Era o Mombaça. Não sei por que ele tem este apelido. O nome do Mombaça é Antônio Ribeiro Filho. Eu perguntei: “O que aconteceu desta vez, Mombaça?”. Ele disse todo ofendido: “Você nem teve a pachorra de me avisar que o Castilho morreu?”. Eu disse que não tive a pachorra de avisá-lo que o Castilho morreu porque o Castilho ainda estava vivo. Mombaça levou um susto: “Ele está vivo? Não me diga isso”. Eu disse que dizia e que o Castilho estava tão vivo quanto eu e ele. “É que eu li um artigo do Doca Junior e ele escreveu assim: como já falava o saudoso e grande Castilho”, explicou Mombaça.

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Ficou aquele clima constrangedor. Mombaça insistiu: “Você tem certeza de que o Castilho está vivo?”. Eu respondi que tinha porque me encontrei com ele há dois dias na casa dele. Estava com 80 anos, continuava ranzinza, reclamava de tudo, mas se ele não morreu depois daquele encontro ele só podia estar vivo. Mombaça disse que era muito amigo do Castilho, mas agora com a velhice ele não saia do apartamento e o Castilho não saia de casa. Como ele ficava lendo os artigos do Doca Junior, ele comprou a informação. Talvez Doca Junior quisesse dizer que embora estivesse vivo, Castilho deixava saudades. Mas mesmo assim ficava estranho. Quando se diz que o sujeito é saudoso é que ele foi embora para outras dimensões e deixou todo mundo na saudade.

Mombaça se apavorou. Ele agora tinha um problema. Grande problema: “Rapaz do céu! Eu falei para mais de uma dúzia de amigos que o Castilho morreu. Com que cara eu vou dizer que o cara está vivo?”. Eu respondi que não sabia. Mas alertei que o problema podia ser maior. Ele quis saber por que e eu disse que para cada amigo que ele disse que o Castilho morreu, a falsa notícia ia se reproduzir na mesma proporção e a morte dele se tornaria um fato. Afinal, Castilho não saia de casa e todo mundo achava que ele morreu. Não deixava de ser um fato criado por um boato que partiu de uma referência até elogiosa do Doca Junior. Que por não ouvir falar do Castilho há muito tempo achou que o sujeito estava morto.

Mombaça se angustiava no outro lado do telefone. Ele tinha mania de dar notícias por telefone para todo mundo. Eu perguntei o que ele iria fazer. Ele respondeu: “Eu vou ficar quieto. Não vou falar do Castilho para ninguém”. Ele contou o plano. Ele ia ficar de boca fechada. Neste meio tempo o pessoal para quem ele falou da morte de Castilho podia esquecer a notícia. E como era todo mundo velho, se não esquecesse, quando se lembrasse da morte provavelmente não se lembraria de quem deu a notícia. Mas ele contava com uma hipótese ainda mais otimista: “O Castilho está com seus oitenta anos. Se ele morrer, o problema está resolvido. Eu apenas dei a notícia com antecedência, não é mesmo?”. Achei a teoria muito absurda. Mas Mombaça naquele momento queria se livrar da responsabilidade de ter ajudado informar a morte de Castilho sem que ele tivesse morrido.

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Antes de desligar o telefone Mombaça pediu encarecidamente: “Pelo amor de Deus, se o Castilho ficar sabendo da notícia da morte dele, não fale que eu estou no meio disso. A culpa foi do Doca Junior que disse que ele era saudoso. Promete para mim?”. Eu prometi para o Mombaça que se Castilho soubesse da notícia de sua morte eu não iria dizer que foi coisa dele e do Doca. Mas conhecendo o Castilho, por mais bom humor que ele tenha, eu acho que ele ia ficar muito chateado. Ainda mais sabendo que foi coisa do Mombaça com quem ele jogou no segundo quadro do Botafogo das Mercês na primeira metade dos anos 50. Este negócio de morte é chato. Depois que eu desliguei o telefone eu me lembrei do Paulão, que trabalhou na Tribuna. Quando a gente sabia da morte de algum amigo, Paulão ficava parado olhando todo mundo, um por um e depois perguntava: “Eu gostaria de saber quem vai ser o próximo”. Aquilo era apavorante. Mas pelo menos ele nunca enterrou ninguém em vida.