Eu ofereci uma azeitona e a moça aceitou. Era elegante, nariz longo e fino, lábios finos e boca larga, olhos negros. Uma moça magra elegante como Anouk Aimée, com cabelos negros fartos. Ela comeu a azeitona e cuspiu o caroço na mão enluvada e deixou-o ficar como o esquecesse. Depois me chamou para os fundos da livraria: “Eu me lembro de Justine, deve estar aqui”. Eu a acompanhei. No caminho, parou para transferir o caroço de azeitona da mão enluvada para um vaso chinês perto dos livros raros.

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Ela me olhou: “Eu gosto da maneira como você anda. Os homens deviam sempre usar chapéus”. Não sei se falou por delicadeza, mas gostei de ouvir. Quando eu era criança, os adultos usavam chapéus. Numa estante dos fundos, ela se ergueu na ponta dos pés para pegar um livro na prateleira acima da cabeça. Reparei que tinha cintura fina, pernas longas e nádegas rijas. Ela tirou um livro, olhou o título e disse: “Justine. Eis o livro que você procura”.

Era o primeiro de O Quarteto de Alexandria, clássico do século passado pouco apreciado no Brasil. A primeira edição foi da editora Ulisseia, de Portugal, em 1973. Eu comprei os outros três volumes – Baltasar, Montolive e Clea – em 1980, quando morei em São Paulo. Faltava-me Justine. Fiquei satisfeito porque finalmente iria ter o quarteto completo. Eu disse que ia comprar o livro, perguntei o preço e acompanhei a moça ao caixa e paguei.

Ela colocou o livro num saco plástico, me deu vários marcadores de página e antes de eu sair, ela perguntou, com expressão jovial que me pareceu irônica: “Você vai escrever alguma coisa sobre nós?”. Ela sabia algo sobre mim. E perguntou de um jeito que sugeria haver algo misterioso entre nós. Algo lúdico. Mas ela se referia ao encontro rápido e trivial. Eu respondi: “Talvez. Qual seu nome?”. Ela deu riso maroto e respondeu: “Justine”. Certamente não era e também achava que não ia escrever sobre o encontro. Não havia nada extraordinário nele.

Mudei de ideia quando cheguei em casa e procurei e não achei os outros três livros de Lawrence Durrel. Revirei a casa. À noite, pensei no assunto. E recordei que antes de mudar de Londrina para Curitiba, os doei em 1997 para a biblioteca pública porque me faltava Justine, que agora estava comigo. Mais uma vez o quarteto incompleto. Pensei em Justine: “Ela me lembra Anouk Aimée”. Adormeci repetindo uma frase de Justine: “Eu faço aparecer o mar todas as noites nos meus sonhos”.

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