“Estimada Jacqueline, esta manhã eu sonhei com você”

Paulo gosta de sonhos matinais. De sonhos que ocorrem quando acorda de manhã pensando em se levantar para ir ao trabalho e olha o relógio e percebe que ainda é cedo. Ele abre os olhos e volta a dormir, mergulha no sono, sono gostoso e, nem sempre, mas algumas vezes, sonha. São os melhores sonhos porque os sonhos noturnos são inquietos. E ontem ele teve um agradável sonho matutino. Ele acordou, olhou a janela e a claridade difusa anunciava que o dia não chegara e chovia uma chuva fina. Não eram 6 horas. A cachorra aconchegada ressonava no cesto de vime, sem interesse de acordar para o passeio entre 7 e 8 horas. Paulo olhou o criado-mudo e ao lado do relógio estava o livro de Yukio Mishima, “Runaway Horses”, da Vintage Books, que tentou ler antes de dormir.

Então Paulo voltou a dormir e sonhou com Jacqueline. Ela abriu a porta de uma sala e apareceu. Estava magra, bonita e mais jovem que hoje. Usava vestido branco plissado e uma blusa negra de gola rolê. Estava com pulseiras e parecia sorrir; cabelos lisos e fartos emolduravam o seu rosto. Jacqueline se apoiava numa bengala como tivesse torcido a perna direita. Ela disse oi. Na cena seguinte estavam num bar movimentado talvez em Londrina. A próxima cena foi curiosa. Os dois, mais um grupo de amigos, estavam sobre a carroceria de um caminhão, sentados e bem vestidos, como no convés de um transatlântico. Alguns ostentavam taças de vinho tinto e outros usavam chapéus. Paulo estava com um livro. Jacqueline pediu para olhar. Outras mulheres quiseram ler o livro e ele desapareceu de mão em mão.

O caminhão subiu a Rua Pio XII e, depois, o grupo chegou a algum lugar. Uma mulher elegante se aproximou de João, amigo de Paulo, e disse que comprou um livro dele numa feira em São Paulo e queria dedicatória. João sentou ao lado dela e disse: “Com muito prazer!”. Enquanto ele escrevia a dedicatória, Paulo se aproximou de Jacqueline e perguntou como ela estava. Ela respondeu: “Hoje eu não gosto mais”. E sorriu. O sonho acabou. Logo de manhã, no escritório, Paulo ligou para Jacqueline. Ela se assustou: “É você?”. Ele disse que era: “Minha querida, esta manhã eu sonhei com você”. Ela riu no outro lado da linha e disse: “Que bom!”. Ele não tinha mais o que dizer e mandou um abraço. Ela disse: “Outro”. Ele desligou o telefone e ficou pensando se involuntariamente criou um enigma para ela.