O telefone tocou. Eu atendi. Antes que dissesse alô a mulher disparou: “Estava falando com outro senhor aí, mas não tem importância, eu continuo com o senhor mesmo. Estava explicando para ele a história do Arnoldo que foi morto a pedradas aí em Curitiba. Está no Paraná Online, notícia de 2008. Está escrito que foi acerto de contas, mas não acredito que foi isso não. Sabe por que? Porque eu conheço este cidadão, ele é quadrilheiro de marca maior. Ele é mancomunado com a Laudelina Giovana Taj Mahal. É Mahal, com “h” aspirado assim com estou falando. Pode conferir nos arquivos da polícia aí em Curitiba. Eu tenho certeza de que ela está fichada até o pescoço, porque ela não presta”. Quando eu fui dizer: “Minha senhora, um momento”. A mulher me atropelou: “Esta mulher aparece numa foto com ele. São todos quadrilheiros”.

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Nestes casos a prudência ensina ouvir antes e perguntar depois, ainda que seja por longos minutos. Por isso continuei ouvindo a mulher no outro lado da linha: “Agora vou te dizer uma coisa: na matéria está escrito que foi acerto de contas e que ele foi morto a pedradas. Duvido. O tráfico não mata com pedras, você que é jornalista sabe muito bem disso. O tráfico mata a bala, atropelamento, bomba. E não com pedras e tijolos. Estes crimes com pedradas, aqui em nossa cidade a gente chama de tijolaço”. Eu murmurei uma vogal qualquer e ela ignorou e continuou: “Eu queria ter a certeza se alguém testemunhou esta morte ou investigou direitinho. Se de fato foi isso mesmo que aconteceu. Eu acho que não tem nada a ver, porque este Arnoldo é quadrilheiro, ele é do mesmo time desta Laudelina Giovana Taj Mahal”.

Silêncio. Agora eu não sabia se devia falar alguma coisa. Mas a mulher sabia: “Inclusive ela tem ligação com o tráfico. Esta mulher vai para a Itália com tudo pago e fica um mês por lá, na região dominada pelos traficantes, entendeu? Eu já liguei para a Polícia Federal e ninguém faz nada. Estou a ponto de não saber mais o que fazer. Por isso eu estou ligando para você”. A mulher parou de falar. Eu disse: “Alô!”. Ela perguntou: “Você ainda está aí?”. Eu disse: “Estou. Tem mais alguma coisa?”. Ela disse que tinha e eu falei: “Pode continuar”. Este método tipo ouvidor eu aprendi nas confissões na igreja com Dom Jaime Luiz Coelho, que foi bispo em Maringá. Ele primeiro ouvia e quando perguntava era na pereba: sempre ia ao ponto, às vezes até com certo exagero. A mulher continuou: “Estou te avisando, porque eu estou com medo desta Laudelina me matar. Entendeu?”. Eu disse: “Entendi”.

Ela continuou: “Aliás, por causa disso que eu não posso me identificar. Pois ela mandou um sujeito me matar. Enviou um cara conhecido como Cigano e mais outro conhecido como Jurumenha. O Cigano tem dois metros de altura e um nariz enorme e o Jurumenha é cabeçudo e tem olho miúdo”. Eu disse: “Minha senhora…”. A mulher continuou: “Eu sei que a minha vida tem sido assim. Estou a ponto de mudar de país, porque estou correndo perigo com as armações da Laudelina Giovana Taj Mahal, das maldades que ela tem feito pra mim. E sabe por que tudo isso? Porque existe uma disputa entre nós duas de uma importância de R$ 3 milhões. Entendeu agora? Esse é o problema maior. Bom, não sei se é de interesse do jornal investigar esta história. Mas eu tenho muita fé no jornalismo investigativo. Se não for para agora, você pode guardar tudo isto no seu arquivo”.

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Ela soltou um respiro fundo no outro lado da linha e confessou: “Eu também estudei jornalismo, sabe! Eu tive aulas com aquele cara que tem programa na Record. Agora esqueci o nome dele”. Eu perguntei: “O Marcelo Resende?” Ela respondeu: “Não, o outro que faz o programa com ele. Ele é velho e usa terno. Ele falou que o jornalista deve ficar sempre atento e ir fazendo arquivo de tudo que ouve e vê. Naquele momento as informações podem não ter relevância, mas alguns anos depois elas podem fazer muito sentido. Entendeu?” Eu disse: “Entendi”. Depois que eu disse entendi e me preparei para fazer as minhas perguntas ela disse: “Obrigad,a pela atenção, tchau!”. E desligou.