Quando adolescente eu queria ser alguém que cantasse como Sidney Miller. Ele foi um jovem carioca tímido, sensível e preocupado com as distorções sociais que sempre existiram no Brasil. E traduzia tudo isto em belas músicas. Ele tinha o dom de criar imagens maravilhosas através de palavras que viravam pura e simples poesia, embalada pelas notas que tirava de seu violão. Talvez ele tenha se definido nestes versos: “Que rapaz é esse, que estranho canto, seu rosto é santo, seu canto é tudo, saiu do nada, da dor fingida, desceu a estrada, subiu na vida”. Ele tinha o talento de traduzir a realidade em versos breves. Mas o mundo é um lugar perigoso para pessoas muito sensíveis. E Sidney Miller morreu jovem. Ele se matou.

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“No fim do mundo há um tesouro, quem for primeiro, carrega o ouro. A vida passa no meu cigarro, quem tem mais presa, que arranje um carro. Pra andar ligeiro, sem ter por que. Sem ter pra onde, pois é, pra quê?”. Estas frases ficaram em minha memória emotiva. Sidney assim como Nara Leão que deu voz às suas músicas foi cedo. Era um poeta. Sofria com o país como este fosse o irmão mais novo fazendo bobagem atrás de outra. “O automóvel corre e a lembrança morre, o suor escorre e molha a calçada. A verdade na rua, a verdade no povo, a mulher toda nua, mas nada de novo. A revolta latente que ninguém vê. E nem sabe se sente, pois é, pra quê?”, diz ele em uma de suas mais conhecidas composições. O Brasil continua o mesmo, a charneca de sempre, os políticos larápios e insensíveis, os escândalos, nada de novo no front.

Eu me lembrei de Sidney Miller porque fui a um sebo e encontrei dois livros com as crônicas de Carlinhos de Oliveira, que escreveu no Jornal do Brasil. Ele também foi romancista, bom autor, diga-se. Carlinhos de Oliveira escreveu em 1962: “Entre nós a política se faz atrás do pano, atrás do povo e por cima da opinião. Os gatunos, os exploradores, os trapaceiros começam por corromper as palavras e o que ontem era esperança surge hoje sob a espécie de fraude. Eles se apoderam de tudo – até de nossa indignação. Apoderam-se dos nossos sonhos e da nossa frustração”. Cacilda! Isto foi escrito há mais de 50 anos e parece lavrado ontem. As instituições do país parecem um monte de esterco – mudam-se as moscas. E seus zumbidos. As intenções continuam as mesmas.

Chega a ser tediosa a porcaria. Os homens públicos se elegem prometendo melhorar o país e o estado e os transformam numa porcaria ainda maior, beneficiando apaniguados e familiares e punindo o povo que paga imposto e trabalha. Curioso que muitos nunca se dispuseram a trabalhar ou a investir o próprio dinheiro em suas ideias mirabolantes, provando na prática tudo o que falam em teoria. Eles defendem a iniciativa privada, mas não tiram a bocarra das tetas públicas. Assim é fácil. Deveriam mostrar empreendedorismo com seu dinheiro e não com o dinheiro do povo que some e nunca paga a conta. Assim não, violão. Tudo tão tedioso e repetitivo que chega a dar sono. A diferença é que houve um tempo em que havia bardos como Sidney Miller. Eles transformavam em poesia e música a revolta e indignação do cidadão. E também cantavam a nossa esperança por um mundo melhor. Por um Brasil melhor, no caso. Hoje nem isso.

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E foi assim que eu me lembrei de Sidney Miller. E fiquei saudoso de seu canto e de sua poesia. Embora a mediocridade política continue, a realidade atual é ainda mais terrível por não termos bardos que transformem em poesia a desilusão e a tristeza do povo. Temos um bando de malucos que se digladiam na internet como se isso fosse mudar a realidade. Muitos defendendo o seu, pagos com o nosso dinheiro para atuar como pistoleiros de aluguel. O Brasil não muda com histeria. Muda com soluções para a água em São Paulo, novas fontes de energia para evitar apagões, educação de qualidade e professores pagos em dia, estradas sem pedágios escorchantes, salários decentes, redução da violência e assim por diante.