Evandro chegou cabisbaixo para trabalhar. Quase sempre falador, estava sem ânimo para conversa e só preocupado com o serviço. Nem o tradicional ritual de ir ao cafezinho ele fez. Cláudio Lupinski se apiedou do amigo e o chamou para tomar café. “Não tenho vontade”, resmungou Evandro. Lupinski sapecou: “Deixa de ser besta. Vamos lá”. Evandro foi. Não tinha ninguém perto. Lupinski perguntou: “O que aconteceu que você está com cara de velório?”. Evandro respirou fundo e disse: “Nem te conto!”. Lupinski intimou: “Pode contar”. Evandro contou. No meio de semana ele foi a Cascavel. Tinha negócio a resolver. E aconteceu algo estranho na viagem. “Uma linda morena sentou ao meu lado”, disse Evandro. Lupinski não achou aquilo estranho.

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O outro explicou: “Nunca uma mulher bonita sentou ao meu lado num ônibus interestadual. Eu fiz centenas de vezes o trajeto Curitiba-Ponta Grossa, Curitiba-São Paulo e até Curitiba-Porto Alegre que, teoricamente, seria para aparecer um broto bonito, porque as gaúchas têm fama de lindas. Mas, nunca, nada, never, entendeu? Nadinha”. Neste período de “centenas” de viagens ele perdeu a esperança de mulher bonita sentar ao seu lado e desenvolveu uma fobia. Lupinski quis saber qual era a fobia. Evandro contou que era fobia de vizinho no ônibus: “Eu passei a jogar na retranca. A desejar que meu vizinho no ônibus não fosse gordo, porque gordo esparrama. Não roncasse alto porque não consigo dormir com gente roncando. Que tomasse banho, porque viajar com sujeito com roupa suada ou fedendo é desagradável. E, principalmente, que não estivesse bêbado, porque bêbado incomoda muito mais”.

Na viagem para Cascavel Evandro foi num estado de graça. De saber que ao lado ressonava um broto lindo. Ele recordou de rosto radiante: “Era magrinha, quietinha, que coisa linda”. Lupinski quis saber a importância disso e Evandro explicou que magrinha não esparrama para o banco vizinho e, quietinha, não atrapalha o sono de ninguém. “Além disso, era cheirosa”, acrescentou. Evandro fez expressão grave e disse: “Eu pensei. Agora na volta o bicho vai pegar. Eu apostava na lei da compensação. Na volta ia encontrar de vizinho um gordo suado roncando a viagem inteira”. Mas não foi isto que aconteceu. Evandro ficou em silêncio pensando no que aconteceu e Lupinski perguntou um tanto angustiado: “O que aconteceu, rapaz?”.

Evandro disse: “Entrou uma loira de arrasar no ônibus. Coisa mais linda. Escultural. Eu pensei na hora. Esta não vai sentar ao meu lado. É muito para o meu caminhão”. “E aí?”, perguntou Lupinski, quase pulando no pescoço de Evandro, que respondeu: “Ela sentou exatamente ao meu lado”. Nesta altura, Lupinski tomou mais dois cafés e um copo de água. Em seguida, perguntou: “E o que aconteceu?” Evandro disse que até por delicadeza não ia puxar conversa com a loira logo de cara, mas se ela desse mole, claro que ele ia levar um papo bacana. Ele ficou quieto e a loira pegou um chiclete e mascou. Ficou aquele silêncio, aquela tensão. Então para quebrar o gelo ele disse: “Se você quiser colocar os pertences no bagageiro, ainda tem espaço, moça”.

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Evandro olhou para Lupinski, que perguntou: “E aí, rapaz? Fala! Eu já estou ficando nervoso”. A loira abriu a boca e disse com um baita sorriso: “Não, querido! Muito obrigada”. Cláudio arregalou seus grandes olhos negros e perguntou: “Então rolou alguma coisa?”. Evandro disse tristemente: “Rolou nada, rapaz. A loira tinha um hálito tão ruim que parecia fossa sanitária aberta. Mais que depressa, eu me encolhi, tratei de dormir e fiz a viagem toda em silêncio”. Lupinski soltou uma risada enorme e disse: “Você é bobo! Eu conheço o truque. Tem donas espertas que carregam na bolsa um chiclete que o pessoal chama de essência de gambá. Elas mascam o dito cujo quando percebem que vão viajar ao lado de um sujeito com quem não querem papo. É só abrir a boca que os sujeitos se encolhem”. Quando soube disse, Evandro fez uma cara de homicida e disse humilhado e ofendido: “Lazarenta! Então ela me deu ,um xeque-mate logo de cara?”. E foi isso.