O atacante Washington César Santos morreu ontem de manhã. Ele sofria há vários anos de doença degenerativa que o condenou a uma cadeira de rodas. Grande ídolo de Atlético Paranaense e Fluminense, formou com Assis a dupla Casal 20 nos anos 80. Encantou as torcidas, principalmente destes dois times, embora tenha jogado e tenha sido campeão por outros. Quando entrevistei Assis há dois anos, ele disse que costumava visitar o amigo e que tentava alegrá-lo relembrando os bons momentos da carreira dos dois. Um dos temores de Washington era ser transformado em ‘coitado‘, por causa da doença. Isto não aconteceu.

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Assis aconselhou: ‘Eu acho que Washington gostaria de ser lembrado não como ele está agora, mas da forma que ele foi no auge‘. E no auge, a torcida do Atlético só tinha que comemorar porque o seu time possuía um centroavante matador. No Fluminense, ele era sinônimo de gol. Havia um grito de guerra da torcida do tricolor das Laranjeiras, quando surgia escanteio contra o adversário. Não era grito para Washington, que estava na pequena área. Era grito para quem ia cobrar o escanteio: ‘Ão, ão, ão. Põe na cabeça do Negão‘. Porque, se a bola chegasse, era gol.

Washington foi campeão no Paraná e em outros estados, mas foi no Fluminense que conquistou o maior número de títulos: três estaduais e um brasileiro. Vestiu ainda a camisa da Seleção Brasileira, tanto da olímpica, quanto da principal. Grande jogador. Certamente gostaria de que em vez de um rosto doente ou morto, hoje, fosse colocada a foto de um gol. De um gol com a camisa do Atlético. Porque foi aqui em Curitiba que despontou para o grande estrelato. Foi aqui que viveu a sua segunda vida invisível. E foi aqui que também deixou esta dimensão.

A morte de Washington – seu sofrimento com a doença – nos remete para uma questão fundamental que não é tratada com a devida seriedade. O ocaso do jogador profissional de futebol. Quando ele para de jogar futebol, na maioria das vezes é como morresse – ou deixasse de viver. A vida de glória e grana, desfrutada por uma minoria de craques, como Washington e Assis, desaparece. Estes jogadores entram no mundo real. Para percorrer uma nova vida, ainda um longo caminho. Eu vi há poucos dias uma entrevista do ex-goleiro Ado, que foi do Londrina, Corinthians e Seleção Brasileira, e ele tocava neste assunto. Ele repetiu várias vezes: ‘A bola é curta‘. E a vida é longa.

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Ele queria dizer que o momento de glória e de grana é inebriante, mas também enganador. O jogador de futebol para abruptamente muito novo. Alguns com pouco mais de 30 anos. Há uma vida inteira pela frente. Sem a menor estrutura de apoio. Não existe por parte da CBF, nem por parte dos governos, por parte de ninguém, um plano destinado a não deixar os jogadores relegados ao abandono depois que penduram as chuteiras. Poucos tem a sorte de continuar com bom patrimônio, alguns se viram com escolinhas, um número ainda menor arruma bico de comentarista, mas a maioria fica relegada à própria sorte. Se o ex-jogador fica doente, então, o drama é maior, como o caso de Washington César Santos. Alguns se afundam na bebida e outros ficam sem amparo.

Um caso clássico é o de Marinho, que jogou no Colorado e Pinheiros e que hoje está cego. Poucos amigos se aproximam, o resto vira as costas. As histórias de abandono são muitas. O jogador de futebol movimenta um universo de riquezas e a maioria esmagadora, depois que pendura as chuteiras, definha. E quando morrem, velhos ou como no caso de Washington, em decorrência de uma doença, em vez da foto de um homem – aquele homem que pendurou as chuteiras e seguiu adiante sem amigos, sem dinheiro e sem apoio – resta a foto dele quando jogador, a foto de seus gols – e um silêncio servindo de amém. Porque a sociedade não se interessa pelo homem – apenas pelo jogador. E quando ele pendura as chuteiras, para a sociedade é uma espécie de morte. A segunda apenas confirma a primeira.

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