Em cada colônia havia um pequeno mundo fantástico

Quem me contou o caso da colônia dos limburgueses foi Everaldo Castañeda. Eu não sei se a colônia realmente existiu, se o nome era este ou se tudo não passou de um delírio dele. Castañeda tinha o hábito de tomar chás estranhos. A colônia ficava ao sul, perto de São Mateus. O que impressionou no relato foi que combina com a sensação que tive na juventude, de entrar em um mundo novo quando chegava a uma colônia – as comunidades de imigrantes na zona rural onde se cultivavam costumes de seus países de origem. E quando se refere aos costumes, destaca-se vestuário, alimentação e em alguns casos idiomas ou dialetos. E muitas vezes esportes e passatempos. Alguns passatempos eram considerados ilícitos, embora fizessem parte da tradição dos ancestrais destes colonos.

No caso dos limburgueses, eles gostavam de promover brigas de galo. Este seria um dos motivos que os tornavam arredios a estranhos. Mas, na medida em que novas gerações surgiram, estes costumes foram esquecidos e os próprios limburgueses se diluíram na massa heterogênea que hoje se chama sociedade. Os novos tempos, asfalto, comunicações, tudo isso contribuiu para acabar com velhas colônias rurais ou transformá-las em algo análogo a qualquer localidade rural ou urbana, sem nenhuma ou com pouca originalidade. Talvez, ainda hoje, o intruso possa se deslumbrar com alguns aglomerados em Castro, Palmeira ou nas áreas distantes do centro de Prudentopólis. Mas, certamente, não encontrará nada ilícito e tampouco desconhecido. No máximo, vai ouvir histórias curiosas, de casos do passado.

Como o que Everaldo contou a respeito dos limburgueses. Por volta de 1970, havia limburgeses em Curitiba. Castañeda foi amigo de Herman Roppe, que o levou a conhecer a colônia em que moravam seus pais. Primeira coisa estranha. Eles gostavam de batatas fritas com ovos logo de manhã, como quem toma café com leite e a maioria em casa falava um dialeto que Castañeda não conseguiu decifrar. Os limburgueses eram trabalhadores, gostavam de rir, falavam alto entre eles e nos fins de semana promoviam brigas de galos, criados para este fim. Eles sabiam que a atividade era ilícita, mas a polícia ou fazia vista grossa ou não desconfiava de nada.

De qualquer maneira, ninguém da colônia tinha interesse em publicidade, por isto eram chamados de estranhos. As lutas ocorriam em rinhas improvisadas nas tulhas apinhadas de espectadores. Depois das lutas, os limburgueses tinham assuntos para conversar e comemorar – e outros para reclamar. Eles bebiam cerveja e vinho feitos na colônia. Os vinhos eram de qualidade superior aos comercializados naqueles anos no Brasil. A cerveja era mais forte e encorpada e às vezes tinha um sabor de café, outras de chocolate. Eles também produziam cerveja mais suave com agradável sabor cítrico que se aproximava do maracujá em algumas ocasiões, em outras tinha um suave sabor de banana. Não se sabe como conseguiam produzir aquilo, mas era uma bebida saborosa.

Embora beberrões, não bebiam depressa e por isso demoravam a ficarem bêbados, porque enquanto bebiam, eles também comiam. Os limburgueses eram simpáticos e entre eles não havia meio termo, tanto os homens quanto as mulheres, ou eram muito bonitos ou feios demais. Hermam, por exemplo, parecia o ator Klaus Kinski – para muita gente isto não é um elogio. Entre eles havia casais jovens com filhos porque a iniciação sexual começava cedo. E havia muitas uniões entre membros da colônia. Quem não andava de bicicleta, andava a cavalo. Castañeda disse que algo neles o desagradou sobremaneira: eles cheiravam mal. Por anos ele se perguntou por que os limburgueses cheiravam mal. Ele não chegou a uma conclusão embora desconfiasse que o mau cheiro pudesse ser decorrente do suor por trabalhar muito, por andar de bicicleta ou por não tomar banho com frequência. De qualquer forma, Castañeda nunca esqueceu os limburgueses porque foi a única vez na vida que ele presenciou algo que achou cruel: a briga de galos.