Enquanto esperava ser atendido por uma amiga arquiteta, ontem de manhã, eu li um livro sobre os drinques preferidos de grandes bêbados americanos. Ela demorou a me atender e o livro não era volumoso – além disso, a gente não reclama de espera quando a dona é bonita e bacana. Por isso eu li o livro quase inteiro. O livro reúne apenas escritores americanos que bebiam muito – quer dizer, a maioria. Nem vou dar a lista porque fecho a coluna só com nomes. E tem mulheres, como Dorothy Parker, que cunhou esta frase: “Gosto de um Martini. Dois no máximo. Se tomar três eu vou para baixo da mesa. Com quatro estou embaixo do dono da casa”. E por aí vai.

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Tem uma história de Ernest Hemingway, no Bar Costello, em Nova York. Bêbado, passou por John O’Hara e invocou com a bengala do sujeito. E partiu para a gozação. O’Hara pegou leve para evitar confusão: “Esta bengala é feita com a madeira mais forte de Nova York”. Hemingway, mamado, pegou a bengala e arrebentou na própria cabeça, para provar que a madeira não era tão forte assim. Coisa que só bêbado faz. Os pedaços da bengala ficaram pendurados no bar por muito tempo como provas da falta de noção de um bêbado – e também porque o bêbado era Ernest Hemingway. Eu gosto de Hemingway. Dos contos de Nick Adams. Tem um bacana em que Nick e Bill estão enchendo a cara de uísque, quando a garrafa chega ao final. Bill diz: “Meu pai não gosta que eu abra uma garrafa nova de uísque. Ele diz que quem abre garrafa é bêbado”. E Nick pensava que bêbado era quem bebia sozinho. Dúvidas etílicas.

Sherwood Anderson tinha uma definição: “Quando você fica bêbado, não há diferença entre você e um bando de publicitários bêbados”. Mas legal mesmo é a história do poeta Robert Lowell. Quando bebia, perdia o rumo. Ainda bem que não tinha Facebook naquela época. Uma vez ele encheu a cara em Buenos Aires e para bagunçar o coreto levou comunistas para jantar na Embaixada Americana. Foi um constrangimento. Superado por um constrangimento maior: Lowell, de cara cheia, chegou para um general argentino, que viria a ser presidente do país e beliscou a bunda dele. O general deu um pulinho assustado: “Ui!”.

O adido cultural não gostou do beliscão no general e Lowell disse que o adido cultural era analfabeto. Depois ele deixou a festa e foi para a principal rua da cidade. Ficou pelado e subiu em cima de uma estátua equestre – em seguida resolveu disputar queda de braço com o poeta espanhol Rafael Alberti. O homem tava afiado. Foram necessários seis paramédicos para botar uma camisa de força nele. Eu fechei o livro e minha amiga apareceu. Quando me viu, pensando em me encontrar de cara amarrada, se assustou por me ver rindo e maneiro. Não contei que acabara de ler um monte de histórias de bêbados. Deixei que pensasse que era charme ou que eu sou um sujeito elegante que não se importa em levar chá de cadeira de uma arquiteta bonita.

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Mas, depois que eu fui embora, eu fiquei pensando que as histórias dos bêbados eram boas, mas os bêbados são um porre. Os antigos arrumavam confusão, mas não eram tão perigosos quanto os bêbados atuais, que chegam a ser criminosos. Isto mesmo. Aliás, tem um famoso para ser julgado por matar duas pessoas numa madrugada. Os bêbados antigos tomavam porres homéricos e pileques dantescos, mas o máximo que acontecia com eles era cair do cavalo, porque cavalo esperto não sobe escada. Os bêbados de hoje entram num carro e saem matando as pessoas nas ruas e nas estradas, muitas vezes da própria família. Isto quando não resolvem dar cacete na família inteira.

Grande parte dos acidentes fatais no trânsito, nas estradas ou nas ruas, é causada por bêbados. Campanhas não resolvem. O bêbado ignora tudo. Quando sóbrio, é uma pessoa; quando bebe, outra. Esta outra faz dele um assassino. Como na história Dr. Jekyll and Mr. Hyde (O Médico e o Monstro) de Robert Louis Stevenson. E nesta condição deixa de ser engraçado para ser monstruoso. As histórias atuais de bêbados não tem graça. São trágicas.

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