Não é novidade que Curitiba já foi cidade ousada. As mudanças urbanísticas introduzidas nos anos 70 e 80 foram um assombro. Não é novidade. Hoje o que assombra é a falta de soluções para problemas que se avolumam. Enquanto isso, outras cidades se mexem para encontrar fórmulas antes que os problemas se tornem incontornáveis. Esse é o caminho. Tomar decisões para melhorar a vida numa cidade grande é como a história dos Três Porquinhos. Tem que fazer, fazer bem feito e não ficar empurrando com a barriga. Caso contrário, o Lobo Mau está aí para apavorar. Não adianta gambiarra. Criatividade pede ousadia e coragem.

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Gambiarra é coisa de preguiçoso ou de quem não quer trabalhar. Como Cícero, o primeiro porquinho que construiu casa de palha e barro, embora pudesse conjecturar que aquilo não resistia ao Lobo Mau. Não adianta ser apenas bem intencionado. Heitor, o segundo porquinho também foi. E construiu uma casa de madeira, para onde fugiu Cícero. O Lobo Mau botou abaixo as duas casas. Os dois correram para a casa de Prático que, antevendo o perigo – problemas não surgem de repente, eles dão sinais, como trens na curva -, construiu uma casa de tijolos. Esta resistiu aos sopros do Lobo Mau. que teve a ideia de entrar à noite pela chaminé e Prático se preparou até para isso. Colocou panela de água quente. O Lobo se queimou e nunca mais voltou.

Claro que cedo ou tarde a cidade vai ter que tomar medida destinada a regular o trânsito de carros pelo Centro. Quanto mais demorar, mais radical terá que ser. Pelo simples fato de que os carros aumentam numa progressão geométrica e as ruas não saem do lugar. São as mesmas. Principalmente as do Centro. Elas sempre foram assim e sempre serão. As duas alternativas são economicamente inviáveis. Ou fazer ruas elevadas que deteriorariam de vez o Centro ou subterrâneas. Duas ideias absurdas. Então, uma solução vai ter que ser achada. Porque o problema cresce cada vez mais, assim como o Lobo Mau nunca escondeu suas intenções em relação aos três porquinhos.

Apenas para refrescar as moleiras urbanistas, registro duas iniciativas de cidades europeias em relação ao assunto. A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, estabeleceu até 2020 para o centro da cidade se livrar dos carros. A proposta é transformar os quatro distritos centrais em grande área onde pedestres, ciclistas, táxis e ônibus terão liberdade de circulação. Carros não. Os únicos veículos com permissão para circular na região serão os de moradores e de entregas (com horário restrito para circular). O projeto vai começar com a restrição aos fins de semana e será aumentado gradualmente até ser permanente.

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A medida visa diminuir a poluição na cidade, que tem atingido níveis intoleráveis para a saúde humana. E para incentivar as pessoas a não usarem seus carros, a prefeitura ofereceu transporte público, bicicletas e compartilhamento de carros elétricos de maneira gratuita para toda a cidade por um final de semana inteiro. A cidade também vai incentivar o aumento do uso de bicicletas e carros elétricos compartilhados.

Mas não é uma preocupação isolada. Na Espanha, a Câmara de Madri anunciou que vai proibir a circulação de veículos no centro da cidade a partir deste ano. Também para reduzir o nível de poluição, melhorar a locomoção e segurança de pedestres e ciclistas e diminuir acidentes de trânsito. A restrição vai valer em uma área de 352 hectares e integra o Plano de Mobilidade de Madri, que pretende diminuir o uso do carro na cidade até 2020. A fiscalização será feita por 22 câmeras de segurança. Quem for pego descumprindo a norma receberá multa de 90 euros.

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O automóvel virou o Lobo Mau da mobilidade urbana. Ele perdeu o charme depois que passou a criar problemas. E a cada dia será ainda mais problemático porque a sua produção desenfreada e a falta de ruas e estradas para que trafeguem irão inviabilizá-lo como meio de transporte, pelo menos da maneira como está sendo usado. No entanto, a impre,ssão que se tem aqui no Brasil é a de que ninguém tem medo do Lobo Mau.