O escritor russo Leon Tolstoi começa o seu romance Ana Karênina com uma frase que ficou imortal: “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Eu me lembrei da frase ao perceber que algumas cidades grandes por onde passei nos últimos anos – Salvador, Porto Alegre, Belém, Brasília e São Paulo, para ficar nas principais, além, claro, de Curitiba, onde moro, estão ficando parecidas umas com as outras. Elas perdem a capacidade de encantar o forasteiro com uma tonalidade local. À exceção é Brasília cuja arquitetura e planejamento urbano fazem dela uma cidade peculiar; as outras estão cada vez mais parecidas. E não só as que visitei.

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Havia nestas cidades algo familiar, como se diz no Facebook, compartilhado. E invertendo a frase de Tolstoi, achei – e posso estar equivocado – que as cidades antigas eram antigas, cada uma à sua maneira; as grandes cidades modernas se parecem entre si. Eu vi fotos de ruas de Moscou e elas não pareciam ser as de uma cidade desconhecida, de cultura peculiar e, mais, centenária, quase milenar. Com exceção de umas igrejas num canto, pontes em outro, um rio numa cidade, uma praia em outra, uma Torre Eiffel ali e um Coliseu acolá, as grandes cidades modernas estão virando clones umas das outras. Até as novas cidades chinesas tem um modernismo que não parece novo e nem original.

Em parte, isto acontece porque os automóveis são onipresentes e entulham as suas ruas. Em parte, os edifícios cada vez mais semelhantes com torres de vidros, ocupam espaços centrais, formando uma floresta de concreto – e a floresta domina a paisagem. Até os estádios de futebol parecem shoppings – são diferentes em detalhes externos, mas seus interiores são iguais. O mesmo com os shoppings em Los Angeles ou Ribeirão Preto, em Joinville ou Sevilha. As indústrias nas periferias têm a mesma cenografia brutal e todas têm seus bairros pobres com suas vidas miseráveis – uma miséria parecida. A vida moderna padroniza as grandes cidades, porque o ritmo de cada uma é parecido com o de outra – e as soluções para as demandas também.

Alguém pode dizer: “Você exagera!”. Talvez. Mas peguem jornais estrangeiros e vejam como os acontecimentos, até os cruéis, são semelhantes nas grandes cidades, embora o Brasil esteja na liderança na categoria acidentes de trânsito! Depois que fizerem isso, peguem alguns escritores que descreveram as suas cidades há algumas décadas. Comecem por Dalton Trevisan. Ele já disse que a sua Curitiba foi para o beleléu. A Curitiba dos anos 40 e 50 aos poucos diluiu na metrópole semelhante a outras. O leitor pode conferir os contos de Trevisan. Procure personagens e lugares de seus contos antigos. Os personagens podem ter se adaptado, mas a cidade mudou.

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O mesmo acontece com Jorge Luís Borges ao falar de Buenos Aires. A cidade dos compadritos não existe. Sem contar Paris que Ernest Hemingway eternizou no livro que ganhou no Brasil o título de “Paris é uma Festa”. Ou Nova York descrita por Francis Scott Fitzgerald; ou mais recente por Woody Allen. A Berlim de Christopher Isherwood sumiu nos escombros da Segunda Guerra. E a Praga de Franz Kafka desapareceu no tempo do comunismo. A lista é grande: nenhuma destas cidades existe como foram. E elas diferiam das outras. Elas eram diferentes, cada uma à sua maneira, com seu charme, seus vícios e suas cores. Até com suas arquiteturas peculiares.

Elas tinham personalidades e perfumes locais. Os moradores tinham peculiaridades que os tornavam diferentes dos moradores de outras cidades. Hoje em dia elas e eles se parecem até no consumo de comidas rápidas, gostos musicais, nivelados por baixo – seus moradores se diferem apenas no idioma. Foi criado algo monstruoso como grandes bairros dispersos de uma enorme megalópole mundial em gestação. São cidades de belezas frias de ferro, vidro e concreto e com uma comum feiura cotidiana.

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