A primeira vez que vi o filme “Bonequinha de Luxo” (Breakfast at Tiffany’s) eu suspeitei que no fundo Holly Golyghtly era garota de programa. Na segunda, a suspeita aumentou. Mas não admiti, porque oficialmente era acompanhante de luxo que sonhava em fisgar um milionário. Nunca tive certeza de ela ser garota de programa, embora este negócio de acompanhante seja suspeito e ser deixada numa rua deserta pelo sujeito às 7 horas da manhã sugere noite quente e programa findo. Acontece que o diretor Blake Edwards glamuriza a vida da moça que veio do interior para se dar bem em Nova York. E inconscientemente a gente não quer que ela seja uma prostituta. Depois, ela é tão elegante que não entra na cabeça de ninguém que possa existir uma garota de programa tão refinada quanto ela, embora o refinamento seja o de Audrey Hepburn que seria elegante mesmo se interpretasse uma mulher das cavernas atolada numa lagoa.

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Mais: com exceção do brasileiro rico, José da Silva Pereira, que se apaixona por Holly, não a vemos “negociar” ou dormir com cliente algum. O brasileiro “namora” e pensar em casar. Tem o velho mafioso que rola grana para ela visitá-lo na cadeia. Mas neste caso, sem saber, ela leva “recados” da Máfia para o chefão preso. O escritor Paul “Fred” Varjak, sem talento e interpretado por George Peppard, é o vizinho e com quem ela se envolve porque ela lembra o seu irmão Fred. Ele também não entra na cota de cliente. A música (“Moon River”) envolvente e quase hipnótica aconselha a não sermos severos com Holly. Quem paga mico de garoto de programa é “Fred”, que não tem grana e faz programa com uma velha rica. Aliás, a safada paga bem.

Por tudo isto, a prostituição dilui num romantismo coroado pelo final – tipo assim, se foi, não é mais. Mas a verdade é que Holly Golyghtly era para os padrões atuais garota de programa. E foi a mais lindinha e jeitosa que conheci na tela. Cheia de estilo, ingênua, divertida, de um tempo maravilhoso, começo dos anos 60. E pensar que Marilyn Monroe era cotada para o papel e não aceitou porque Lee Strasberg achou que ia pegar mal a loira no papel de meretriz. Mas o diacho é que Marilyn tem sensualidade vulgar de meretriz até num papel de dona de casa. E Audrey Hepburn é uma dama até num papel de meretriz. Claro que a história de Truman Capote mudou para se encaixar no cinema: a bissexualidade de Holly Golyghtly foi omitida assim como Paul “Fred” Varjak não era garanhão e sim homossexual no original. No fim, tudo dá certo. Tão certo que a fórmula foi requentada várias vezes. 

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