Algumas pessoas talvez não saibam quem foi Pablo Picasso, um grande pintor espanhol e considerado o maior do século 20. Entre as que sabem quem ele foi, maioria certamente gostaria de ter uma obra entre milhares que este artista longevo, genial e produtivo deixou. Por um simples motivo: cada obra dele, principalmente os quadros, é avaliada em milhões de dólares. É dinheiro em caixa. Outros, no entanto, gostariam de ter por razões estéticas, porque gostam dos quadros de Pablo Picasso. Neste grupo, que presumo não ser tão numeroso quanto o primeiro, encontra-se Wilson Peçanha de Almeida Júnior, vendedor de planos de saúde e amante de pintura moderna.

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Ele queria um quadro de Picasso em casa. E não tinha dinheiro para tê-lo. E não queria cópia em papel colorido que se compra pela internet. Queria algo real, como uma réplica, ou uma boa falsificação que fosse tão real que parecesse verdadeira. Peçanha considerou ainda que seria escandaloso e vulgar reproduzir ou copiar obra conhecida ou popular. Ia parecer falta de imaginação. Por isso ele escolheu a colorida e discreta “Paisagem Mediterrânea” (81×124, 1952), obra alegre dos últimos anos do pintor malaguenho. Peçanha encomendou a réplica a um pintor técnico, porém sem imaginação para brilhar sozinho.

O pintor Johnny Thompson era paraibano e se chamava João Ferreira de Castro. Ele cobrou preço até razoável, superior ao de suas obras ingênuas, quase todas marinas e casarios sem criatividade, embora tecnicamente perfeitos. Peçanha chegou à última etapa de sua façanha que foi levar a tela para um profissional colocar a moldura. Indicaram para ele o alemão Otto Wondenberg. Que indicou uma moldura velha que tinha por lá e da qual precisava se livrar porque ninguém a queria porque era velha. Ele alegou que a velha moldura daria ao quadro maior credibilidade, uma atmosfera de autenticidade, embora ninguém fosse tolo de pensar que se tratasse de obra autêntica.

Até aí a história foi normal, um capricho, digamos. Mas as historias tolas também adquirem dimensão de uma tragédia. O juiz Mariovaldo Carrasco Pedrosa que coleciona quadros e também recorre a Wondenberg para emoldurar obras adquiridas encantou-se com o Picasso do Peçanha. A primeira reação foi um tanto ingênua. Ele perguntou: “Este Picasso é legítimo?”. Wondenberg disse: “Claro que não! É réplica que um maluco mandou fazer”. Wondenberg não chamaria Peçanha de maluco na frente dele, mas na ausência, que mal tem? O juiz disse: “Gostei. Eu quero este quadro”. Wondenberg não gostou de ouvir aquilo. Achou que Peçanha não ia vender.

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Ele estava certo. No dia em que foi buscar a obra, Peçanha estava feliz. Mas encontrou o juiz. Que foi dizendo: “Eu quero comprar este quadro”. Peçanha respondeu que não estava à venda. “Pago bem”, insistiu o juiz. Peçanha repetiu que não estava à venda. Então, surpreendentemente, o juiz disse: “Considere-se preso!”. Peçanha se assustou e quis saber o motivo. O juiz disse: “Falsificação de obras raras”. Peçanha disse que não era falsificador. Primeiro não foi ele quem fez e segundo ele encomendou para deleite próprio. “Não interessa, se esta obra não é um Picasso autêntico, é uma falsificação. Elementar!”, disse o juiz. A lógica do juiz era correta. Mas a de Peçanha também.

Peçanha olhou Wondenberg e pronunciou aquela frase que ficou famosa: “E agora o que eu faço com o meu Picasso?”. Wondenberg encolheu os ombros e disse: “Não me olhe assim!”. O juiz disse: “Se você deixar comigo, eu esqueço o assunto e todo mundo fica bem”. Peçanha pegou o quadro e foi até o fundo da molduraria e depois voltou com o quadro dividido em dois para assombro de Wondenberg e do juiz. “Se Salomão propôs isso, eu também posso fazê-lo”, disse. “Cada um fica com uma parte”, sentenciou. O juiz ficou tão revoltado que deu mais uma vez voz de prisão para Peçanha: “O que eu fiz desta vez?”. O juiz disse: “O senho,r está preso por danificar uma obra de arte falsificada”. Claro que não existe este crime na legislação, mas o juiz tinha lá as suas razões.   

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