O telefone tocou e Ibrahim atendeu: “Alô, é da Serapião Medrado & Filhos?”. Ibrahim disse: “Não. Não é da Serapião Medrado & Filhos”. O cara do outro lado respondeu: “Desculpe, foi engano”. Desligou e o telefone tocou mais uma vez. Ibrahim atendeu e era o mesmo sujeito fazendo a mesma pergunta, para a qual Ibrahim deu a mesma resposta, seguida de pedido de desculpas e fim da ligação. O telefone tocou uma terceira vez e era o sujeito novamente: “Alô, é da Serapião Medrado & Filhos?”. Ibrahim, já de saco cheio, disse: “Sim, é da Serapião Medrado & Filhos. Uma empresa de fino trato às suas ordens”. O sujeito no outro lado disse: “Até que enfim. Eu estava tentando ligar para aí faz meia hora”. Ibrahim perguntou: “O que o senhor deseja?”.
O sujeito disse que precisava falar com certa urgência com o Sr. Serapião Medrado a respeito de um assunto relacionado aos fornecedores. Ibrahim com cara de tédio perguntou: “O senhor não podia adiantar o assunto? O Sr. Serapião está muito ocupado”. A voz no outro lado respondeu que não podia, que era confidencial e que só podia falar com o Sr. Serapião. “Será que o senhor não podia chamar o Sr. Serapião?”. Ibrahim disse que não podia: “Acontece que o Sr. Serapião está com alguns problemas de natureza judicial, alguns oficiais de justiça aparecem por aqui, entende? E eu não posso revelar o paradeiro dele. Aliás, eu nem sei se o senhor não é um oficial de justiça”. A voz do outro lado disse: “Não. Eu não sou oficial de justiça. Mas é assunto grave?”.
Ibrahim disse que dependendo do ponto de vista podia ser grave ou não. “Por exemplo, ele está vivo. Mas estas coisas de estupro de menores, depois têm alguns cheques cujas assinaturas não conferiram e sem contar ex-mulher que fica o tempo todo cobrando pensões alimentícias atrasadas. Tudo isto deixa o Sr. Serapião sensível, entendeu?”. A voz no outro lado disse que entendeu e desligou. Ibrahim também desligou e finalmente pode trabalhar em paz. Passaram-se dois meses e distraidamente lendo o jornal Ibrahim ficou sabendo que a Serapião Medrado & Filhos entrou em concordata depois de uma misteriosa sucessão de informações polêmicas e não confirmadas envolvendo o nome de seu presidente, fenômeno que provocou incontornável crise de confiança. Ibrahim fechou o jornal e murmurou: “Putz!”.