Murilo entrou no ônibus com cara de assassino. Ele convencia porque além de enfurecido, era feio: queixo proeminente, nariz adunco e boca que não fechava porque os dentes de cavalo não deixavam. Apesar da fúria, não assustava – digo os homens para os quais seu ódio era dirigido. Murilo era magro, arcado e baixinho. Entrou com duas moças: Rosalina, a namorada, tipo de garota que as más línguas diriam que ela e Murilo foram feitos um para o outro. Ela podia sair à noite com roupas escandalosas que ninguém ia mexer. Em compensação, a irmã nova, Rosalva, era de fechar o comércio. Tão atraente que andava com cara assustada porque os homens jogavam sobre ela olhares cobiçosos e selvagens.

continua após a publicidade

Para não espichar, Rosalva era o tipo de garota que homem recatado sussurrava: “Mas que menina bela!”. E o que não tinha recato dizia: “É uma tremenda de uma gostosa, isto sim!”. Tudo questão de estilo: no fundo os dois falavam a mesma coisa. Rosalina tinha 19 anos. Rosalva 16 e queria namorar. Algumas garotas nesta idade acham natural mostrar um pouco dos atributos físicos para aumentar as chances de conquistar um mancebo. Rosalva exagerava levando em conta a exuberância carnal. Por isso, quando entrou no ônibus até o Sr. Onofre, com 78 anos e olhos cansados, deu uma conferida no que os cafajestes chamam de “material”. Rosalva se assustou com a reação masculina. Murilo tirou o braço do ombro de Rosalina e anunciou: “Esta gata tem dono”. Ele falava de Rosalva. Que não tinha “dono”.

Ele devolveu aos varões olhares de fúria. Ônibus cheio. Murilo pagou três passagens sabendo que ia enfrentar parada dura. Ele se investiu ou foi investido pela mãe da namorada no papel de guardião da cunhada. Agora se preocupava mais com uma que com outra. Que parecia maracujá murcho, consciente do furor que a irmã fazia. Não havia lugar nos bancos e Rosalva foi em pé. Segurou cano de ferro que descia do teto ao chão e três sujeitos ao redor até por falta de ter para onde olhar, perscrutavam os dois seios da garota, rijos, jovens, volumosos, cinematográficos. Sorte deles que eram altos e bastava ficar com cara de quem pensava na vida, enquanto queriam saber o que havia além das curvas daqueles seios que se escondiam na floresta chamada sutiã.

Se combinassem não ficariam tão silenciosos, compenetrados e pensativos. Murilo olhava-os com inútil fúria assassina. Os três não estavam atentos a este mundo. Estavam nos seios de Rosalva. Dois planetas cheios de mistérios insondáveis. Rosalva se encolhia. Não tinha como proteger o que deixou exposto assim que saiu de casa. Um dos três desceu e na calçada ao dar o último olhar para Rosalva encontrou o furioso Murilo no interior do ônibus com o dedo anular ereto numa silenciosa ofensa gestual que pouco afetou o sujeito. Os outros dois olharam para Murilo. Um deles disse: “Tremenda gata, hein parceiro?”. Murilo respondeu: “Tarado sem vergonha. Respeite a menina”. O sujeito retrucou: “Estou respeitando, parceiro. Estou respeitando. Mas olhar não paga imposto. E também não tira pedaço”.

continua após a publicidade

O segundo sujeito riu baixinho. Murilo provocou: “Tá rindo de quê palhaço?”. O segundo sujeito respondeu: “A menina é bonita. Se não queria que a gente olhasse trancasse em casa. Cuida da feiosa aí”. Rosalina chorou. Murilo enfureceu. Mas não deu briga porque no ponto seguinte os dois sujeitos desceram enquanto Murilo berrou descontrolado: “Seus tarados sem vergonha. Curitiba não merece vocês”. O Sr. Onofre deu uma conferida nas pernas de Rosalva. Coisa de primeira. Murilo virou a cabeça e viu o velhinho cobiçando as pernas da cunhada. “Até o senhor, vovô?”. O Sr. Onofre disse: “Primeiro, eu não sou teu avô. Segundo, tua cunhada é uma mocinha muito atraente. E, terceiro, cuide de tua namorada e deixe a mocinha para alguém cuidar. Que não será você”. Murilo endoidou: “Me segura que eu vou matar este velho”. O cobrador botou ordem no ônibus: “Cala a boca se não te boto pra fora”. Murilo ficou quieto abafando a fúria, enquanto Rosalina chorava e Rosalva fazia sucesso.