Cascudo apareceu no Parque São Lourenço e foi dizendo que Pelanca estava estranho. Para não espichar conversa Pelanca disse que era um sujeito estranho e tinha um apelido estranho. Cascudo olhou para os lados e disse que estava namorando uma mulher de São Paulo. Um sujeito com um cachorro schnauzer e com uma camisa do São Paulo se animou e perguntou: “Ela é tricolor?”. Cascudo disse que ela era santista. Pelanca perguntou se ela morava em Santos, Cascudo disse que ela morava em São Paulo. Para mudar de assunto, Pelanca perguntou: “Ela é gostosa?”. Cascudo ficou uma fera, mas respondeu: “Ela não é jornalista”. Pelanca não soube o que ele quis dizer com aquilo porque existem jornalistas bonitas e outras que não são bonitas. Mas isto acontece em todas as profissões, inclusive entre atrizes e modelos.

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Cascudo e Pelanca foram saindo em direção da Rua Professor Nilo Brandão e o sujeito do schnauzer foi junto. No outro lado da rua, havia um carro estacionado na frente do bar Doutorado. Uma mulher no interior do carro deu um berro. Cascudo ergueu o braço e disse: “Eu já vou, amorzinho!”. Pelanca não enxergava bem, mas ele não precisava ter olhos de lince para perceber que a dona devia ter no mínimo 110 quilos. Em outras palavras, era gorda – vamos ser elegante, king size. Cascudo deu riso amarelo: “O nome dela é Keka Westphalen. Ela é alemã”. Pelanca segurou a matraca para não dizer: “Uma alemã que vale por duas”. O dono do schnauzer não segurou a matraca dele: “Ela é reforçada!”. Cascudo fechou a cara e disse que não se preocupava com aspectos externos, mas com o íntimo da pessoa. O dono do schnauzer quis consertar e estragou tudo: “Bem, neste caso você acertou, porque com aquele tamanho ela tem bastante íntimo”.

Cascudo disse que tinha que ir embora e foi de cara amarrada e sem se despedir de ninguém. O homem do schnauzer olhou-o e disse: “Existem homens que gostam de mulheres gordas”. Pelanca concordou: “Federico Fellini era um deles”. E voltou para dar mais uma volta no parque. A observação do homem do schnauzer era correta, mas Cascudo não gostava de mulheres gordas. Ele gostava de alemãs. Se fossem gordas ou magras, baixas ou altas, não tinha importância. Tinha que ser alemã. A primeira foi Ulrica. Alemã com nome bonito. Os avós dela viveram numa colônia anarquista no Paraguai. Ela cruzou a fronteira e veio para o Brasil. Ulrica tinha olhos verdes, cabelos loiros que pareciam cascata suave. Mas era alta.

Cascudo também era magro e alto, com 1 metro e 82 de altura. Ulrica tinha 1 metro e 93. Era um mulherão. E como muitas pessoas altas, era desengonçada. Eles tiveram um casal de filhos e um belo dia Ulrica disse para Cascudo que ia cair fora de casa. Ele pensou que ela tivesse um amante, mas ela disse que não tinha amante e não queria mais ficar casada. E hoje, velha, ela diz que está melhor sozinha. A segunda foi a Karen, que saiu da casa dos pais em Blumenau e virou hippie. Quando a conheceu na metade dos anos 80, Cascudo se apaixonou. Ela gostava de comidas naturais, disse que era budista e fazia bijuterias para vender para as amigas. Karen era magra como uma mata-junta. E era liberal, adepta do amor livre, coisa que enfurecia Cascudo.

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Um dia ela conheceu um haitiano chamado Joseph Martin e fugiu com ele. Cascudo nunca mais teve ciúmes dela. E não entendeu porque ela fugiu com um haitiano. “Se fosse com um jamaicano, eu entenderia”, disse Cascudo. Agora estava com aquela gorda a quem chamou de “amorzinho”. À noite, Pelanca já tinha esquecido o assunto, quando Cascudo ligou para pedir desculpa se falou alguma coisa no parque que o tivesse magoado: “Eu estava com pressa, entende?”. Ele falou que a Keka era filha de um general do exército que morreu há tempo e deixou aposentadoria polpuda. “Por isso eu não posso casar com ela. Se a gente casar, ela perde a aposentadoria. Mas a gente está morando juntos numa boa”, disse. Ele ligou só para explicar porque estava com uma mulher gorda: porque era alemã e tinha uma aposentadoria polpuda.