O pregador da Rua XV conseguiu um parceiro que, como ele, fala o tempo inteiro e quase ninguém presta atenção. O jovem se veste melhor, é menos agressivo e também inseguro, algumas vezes tropeça nas frases. A mensagem é a mesma, mas as ameaças são mais veladas. O rapaz não usa tanto as expressões inferno e demônio para atemorizar as pessoas. Dia deste passei por lá, o jovem estava em plena pregação com o velho pregador atrás dele, como cão de guarda pronto para saltar sobre o primeiro pecador que fosse molestar o novato. Eles falam – presta atenção quem quer. O duro é a gente ser abordado por pregadores amadores que querem ser melhores que Billy Graham.

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Eu acho que por definição, os pregadores neopentecostais são ousados, criativos e falam coisas que se Jesus Cristo fosse vivo não ia entender. Claro que ele ia entender a intenção dos pregadores. Faz parte do jogo. Billy Graham dizia coisas como: “Não existe nada de errado com os homens possuírem riquezas. O errado é a riqueza possuir homens”. Outra que mais parece frase de detetive tentando desmontar gang de assaltantes em Chicago: “Cabeças quentes e corações frios nunca resolveram nada”. O diacho é que nem todo mundo é criativo ou tem traquejo suficiente para produzir frases espirituosas. Eu desci da estação tubo da Praça Eufrásio Correa, andei alguns metros e antes da Câmara Municipal, uma dona veio na minha direção e como fosse velha amiga me entregou um panfleto.

Eu peguei por educação e antes que lesse para saber de que se tratava, ela perguntou: “Você tem fé?” Como era bonita, peguei leve e disse que fé era questão íntima e que no meu caso ainda não havia caído em domínio público. Portanto ter ou não ter fé era problema meu e eu não precisava confessar isto a nenhum estranho. Fui sucinto para esclarecer que não estava a fim de tergiversar sobre o tema. Mas a garota não se deu por vencida. A segunda pergunta partiu da premissa de que tenho fé, mas minha fé não é tão sólida quanto à dela: “Você teria coragem de pular na rua do alto de uma corda amarrada no décimo andar entre dois edifícios?”. Eu achei absurda a proposição e respondi que não.

No entanto, em caso de incêndio, se houvesse bombeiros e colchões lá embaixo, não teria opção. Ainda assim acharia arriscado. Pode parecer que estava sendo cínico, mas era sincero. Disse também que ela mudava de assunto e saia do tema religião para entrar na área circense. Ela não gostou, achou que fosse uma ironia. E foi aí que sapecou seu conhecimento sobre Jesus, coisa comum em pregadores novos e entusiasmados. Eles falam coisas que até Jesus duvida. Ela disse: “Então você não tem fé. Pois Jesus faria isso”. Eu respondi: “Querida, de onde você tirou a ideia de que Jesus ia subir num prédio de dez andares e ficar andando sobre uma corda para depois pular lá embaixo? Não faz sentido. Até onde sei Jesus nunca foi trapezista e tampouco pulava de edifícios de dez andares para impressionar o povo”.

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A moça percebeu que não tinha argumentos e partiu para o confronto: “Você não entende e não quer entender a palavra”. Eu respondi que não só entendia a palavra, como também compreendia a frase inteira e cheguei à conclusão de que ela não fazia sentido. A danadinha disse: “O senhor está correndo o risco de se perder, sabia disso?” Eu respondi: “Cabeças quentes e corações frios nunca resolveram nada”. Ela perguntou: “Quem é que disse uma besteira desta?”. Eu respondi que foi Billy Graham. Ela disse que não sabia quem era o cara. Eu perguntei para que time ela torcia e ela respondeu que torcia para o Coritiba. Então eu disse o seguinte: “Billy Graham é melhor que o Neymar e você não chega a ser um Zé Love, entendeu?” Ela entendeu o recado. E ficou chocada. Seus belos olhos esverdeados ficaram inundados. Ela não chorou, mas o choque foi grande. Ela era uma neopentecostal muito linda e meu coração partiu. Horas depois quando eu passei pela ,Rua XV eu voltei a lembrar da garota. Nem sabia o nome dela. E tampouco peguei o número do celular.