A vida dele dá um filme. Que poderia começar pelo final. No último sábado, Francisco das Chagas Marinho, aos 62 anos, dava autógrafos e conversava em João Pessoa, na Paraíba, diante de uma banca de jornais que organizava evento de troca de figurinhas de jogadores da Copa do Mundo de 2014. Ele passou mal, foi levado para o hospital e morreu às 3 horas da madrugada de domingo. Seu velório foi no estádio Frasqueirão em Natal, cidade onde foi enterrado ontem. A sua morte ocorreu quarenta anos depois da primeira Copa do Mundo na Alemanha, onde foi eleito o melhor lateral-esquerdo de sua época. Era então conhecido por Marinho Chagas. E tinha o apelido de Bruxa Loira.

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Foi o último capítulo de uma lenda do futebol brasileiro. O lateral protagonizou uma vida espetacular, iniciada com ascensão meteórica aos 17 anos no pequeno Riachuelo de Natal, onde nasceu e de onde em pouco tempo ele pulou para o ABC. Em seguida foi para o Náutico, de Recife, onde estourou. Quando jogava pelo Náutico, fez uma excursão para a Jamaica. Numa partida em Kingston, um sujeito se encantou com o futebol do jovem e no intervalo foi ao vestiário e levou três discos em troca da camisa do jogador do clube pernambucano. Era um cantor ainda desconhecido: Bob Marley. Outro cantor entrou na vida de Marinho, desta vez para tirá-lo no Náutico e levá-lo para o Botafogo do Rio de Janeiro.

Agnaldo Timóteo fazia turnês pelo Nordeste e o viu jogando. Chegou ao Rio de Janeiro e ligou para o presidente do Botafogo: “Ele é um monstro. Vocês tem que contratar”. A diretoria do Botafogo não duvidou das palavras do cantor porque ainda como jogador do Náutico o lateral fez algo que poucos fizeram: em 1972, no primeiro jogo que fez contra o seu ídolo, Pelé, sapecou um chapéu no número 10 do Santos. A notícia correu o país. A direção do Botafogo sabia que se não agisse rápido, o “monstro” iria para outro clube. Marinho chegou em São Januário e virou ídolo. Ele tinha rompantes ofensivos que agradavam aos torcedores, mas que incomodavam especialistas, como João Saldanha, que o acusava de deixar uma “Avenida Marinho Chagas” para ser percorrida pelos atacantes adversários.

As criticas não impediram Marinho Chagas de ir para o Fluminense, Seleção Brasileira e de fazer sucesso. Seu estilo e personalidade forte arrumavam encrencas pelo caminho. Depois da partida em que o Brasil perdeu de 1 a 0 e também o terceiro lugar para a Polônia na Copa de 1974, o goleiro Leão acusou o lateral de responsável pelo gol de Lato. Os dois quebraram o pau – nenhum desmentiu o episódio. Quando jogava no Fluminense, Marinho fazia gracejos na hora de cobrar pênalti, para desespero de técnico e diretores. E fora de campo aprontava as suas. Em uma delas, em 1977, quando o tricolor excursionava pela Europa. Marinho Chagas foi parar num palácio em Nice, onde protagonizou uma dança sensual com a Princesa Grace Kelly. Houve quem dissesse que foi um autêntico xaxado da Paraíba, coisa que Jackson do Padeiro tirava de letra nos puteiros de João Pessoa.

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Marinho Chagas jogou com Franz Beckenbauer no Cosmos de Nova York e passou por outros times até encerrar a carreira em 1988, no Augsburg da Alemanha. Foi famoso, craque e rico. Ganhou dinheiro e gastou mais do que devia. Era indisciplinado taticamente e na vida pessoal. Foi devorado pelo alcoolismo – no fim da vida passou dez dias numa clínica tentando se recuperar de problemas do alcoolismo. Tudo isto é um grande filme. Se o Brasil tivesse uma verdadeira indústria cinematográfica. Sem contar que Marinho Chagas tem a cara de Marlon Branco e os cabelos loiros de Marylin Monroe – os dela eram melhores tratados. Cara de um e loirice de outro. E doideira dos dois. Marinho Chagas, um dos melhores e mais loucos lateral-esquerdos do futebol brasileiro de todos os tempos. Só a cena do xaxado com Grace Kelly no palácio vale o ingresso. Nem Alfred Hitchcock pensaria nisso.