Não tenho a menor ideia porque ele se chama Kung-Fu. Ele não é chinês, é negro, alto, não luta coisa alguma e além de tudo é maluco. Um maluco do tipo simpático, inofensivo e esportivo. Está sempre andando pela ciclovia ou na pista do parque, algumas vezes ele corre dando a entender que faz Cooper, embora todos saibam que esta é apenas mais uma de suas manias para, provavelmente, passar o tempo. Kung-Fu me conhece, eu o conheço, mas conversamos raramente. No entanto, sempre que me vê ele me cumprimenta por uma razão muito simples: ele cumprimenta a todos com um enorme sorriso simpático. Às vezes ele desaparece por meses, reaparece e desaparece. O território dele é o São Lourenço, Abranches e adjacências.

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Na manhã fria de ontem, todo mundo agasalhado, encontrei Kung Fu no ponto de ônibus na frente do Centro de Criatividade do São Lourenço. Estava bem agasalhado, com luvas e touca negras e soltava vapores de ar pela boca. Estava com óculos escuros e fone de ouvido, certamente curtindo um som. O frio deixou-o de bom humor. Ele esperava o Interbairros II. Quando eu me aproximei, ele tirou o fone de ouvido e disse: “Bom dia. Mas este frio está realmente espetacular, não é mesmo?”. Eu não entendi o que ele quis dizer com aquilo, mas também não compliquei: “Bom dia. Realmente o frio de hoje está muito espetacular”. Ele parece que gostou de meu comentário. Um sujeito estacionou o carro perto, mas não trancou a porta e Kung Fu disse: “Tranque a porta. Nunca descuide para não ter o veículo roubado”.

O sujeito voltou e trancou a porta. Ele voltou a me olhar e perguntou se eu estava indo passear ou a trabalho. Eu respondi que estava indo trabalhar. Ele deu um largo sorriso e disse: “Quem diria! Com estes cabelos brancos eu jurava que o senhor já estava aposentado há muito tempo”. Eu disse que continuava a trabalhar e que gostava disso. Ele observou sério: “Trabalhar realmente é uma coisa muito boa. A pessoa fica ativa e dinâmica”. Eu disse: “Realmente”. O ônibus chegou e ele disse: “Por favor, tenha a bondade de ser o primeiro”. Eu entrei. Passei pela catraca, sentei no primeiro banco enquanto Kung Fu também passou e foi para o fundo do ônibus. Ele voltou a colocar o fone de ouvido para curtir a sua música eu fiquei pensando: os malucos estão cada vez mais espertos. Além de tudo, são solidários, atentos aos detalhes e educados. Partindo deste princípio, achei errôneo dizer que o mundo está ficando maluco.

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