Atirei o pau no gato, mas o gato não morreu

Num começo de tarde percorria a Rua XV com o Gerson Klaina, cognominado Bambu pelos amigos e um dos maiores conhecedores dos caminhos intransitáveis do Paraná, quando encontramos o João Batista. Ele é o mais famoso espancador de gatos do sul do Brasil. Este título honorífico gravado em pergaminho feito com pele de carneiro tinha tudo para transformá-lo num sujeito hediondo, não fosse um pequeno detalhe. Ele espanca, mas não mata. E nem conseguiria porque seus gatos são de araque. Há quase 40 anos, João Batista é um dos personagens da famosa rua de Curitiba andando com o saco dentro do qual meia dúzia de hipotéticos pequenos gatos estão sempre prontos para serem espancados.

A certa altura, os bichos se enfezam dentro do saco, começam a miar alto chamando a atenção de transeuntes e João Batista para botar ordem no saco, empunha um pedaço de pau e arrebenta os gatos lá dentro, para espanto de quem não conhece a cena. Eu lembro quando cheguei a Curitiba há quase vinte anos: João Batista já espancava gatos sem piedade. Meus filhos eram menores e entraram em pânico diante da carnificina em plena Rua das Flores, como então era chamada com maior glamour a Rua XV – hoje não se chama com tanta frequência a Rua XV de Rua das Flores. Mas isto não tem importância, porque ela continua do mesmo jeito.

Todo este tempo João Batista pregou sustos enormes, mulheres correram e homens ficaram furiosos. Não flagrei surra ou carreirão. Mas ele confessou ao Bambu que já levou bolsadas de matronas enfurecidas e uma vez aconteceu de levar sopapos de um furioso militante de ONG animal. O sujeito era turista e com certeza alguém que na infância perdeu o gato de estimação espancado por um meliante. Porque, quando viu João Batista com o pedaço de pau espancar os gatos no saco, enquanto os bichos miavam desesperados, o sujeito mais sarado que professor de academia e mais musculoso que lutador de MMA, foi para cima de João Batista. Foi um perereco – quer dizer, um massacre.

Até explicar que focinho de gato não era tomada de porco, o estrago estava feito. João Batista tentou explicar, mas o sujeito não deixou. O Terror dos Gatos da Rua XV, como João Batista também é carinhosamente conhecido pelos desconhecidos, levou sopapos e ficou deveras avariado. O herói dos felinos foi libertar os gatos oprimidos no saco diante da atônita assistência e para a surpresa dele, não havia gatos verdadeiros. Havia três gatinhos de pelúcia com caras idiotas – quer dizer, ingênuas – olhando para o idiota salvador, quer dizer o herói. Além dos gatos de pelúcia, havia no saco engenhocas estranhas. Eram uns apitos.

O sujeito em vez de se dar por vencido sentiu-se humilhado e ofendido e quis dar outro corretivo em João Batista. Desta vez para ele aprender a não enganar estranhos interessados em bancar herói na Rua XV. Mas aí a distinta plateia interveio e não permitiu. Principalmente, porque não havia motivo justificado – não havia mortos, nem feridos, de nenhuma espécie, além de escoriações em João Batista. Um sujeito educado explicou que João Batista ganhava a vida matando gatos fictícios, para chamar a atenção para um troço que ele inventou e que imita os miados dos felinos. E que o negócio fazia a festa da criançada. E se ele não fizesse o estardalhaço, ninguém saberia que ele vende uma engenhoca de miar. Não é tão óbvio assim, mas é plenamente compreensível.

No começo do ano a engenhoca de miar de João Batista custava R$ 5 a unidade – sendo que o cliente que levasse dois apitos ganhava um de brinde. Ou seja, três pelo preço de dois. É um negócio saudável, honesto e nenhum gato morreu por causa dele. João Batista disse em entrevista coletiva que todos os dias ele atira o pau no gato, mas o gato não morreu. E todo mundo se admira com o berro que o gato deu. A dona Chica não se admirou porque ela está muito velhinha e faz tempo que ela não vem para o centro da cidade.