As velhas boates que ficavam no primeiro andar

Cristóvão Kaplen disse que no primeiro andar de um prédio na Praça Osório, entre a Alameda Cabral e a Rua Vicente Machado, funcionou uma das maiores boates de Curitiba nos anos 50. A Stardust. Era um antro de prazer masculino que exercia fascínio tão grande que muitas mulheres da sociedade ficavam curiosas para saber como era e o que acontecia lá dentro. Sabia-se isso: era ambiente de luxuria masculina. De quem tinha grana, claro, porque era de categoria. A Stardust funcionou até o início dos anos 70. Teve melhor sorte que a Boate Marrocos, por sua vez situada também no primeiro andar de um prédio na esquina da Rua Dr. Muricy com a Rua Marechal Deodoro, na Praça Zacarias. Esta foi ponto notável da noite curitibana, comandada pelo empresário Paulo Wendt, que morreu assassinado a tiros na Boate Moulin Rouge na madrugada de 20 de julho de 1966.

A Marrocos era onde se apresentavam cantores do rádio de Brasil, Argentina, Uruguai e outros países. Apresentações combinadas com outras feitas em auditórios das emissoras de rádio, boa parte delas na Rua Barão do Rio Branco. “Enquanto nossa turma tinha por volta de 20 anos, Armando Penteado tinha mais de 40. Ele nos levou para conhecer a Stadust”, diz Cristóvão Kaplen. Penteado tinha um Citroen preto, ano 1949, quatro portas, que dava ao dono a aparência enganosa de gangster. “Ele era um grande sujeito, tanto na maneira de se vestir, quanto na de se divertir e de pensar. Era um dândi, entre muitos na cidade naqueles anos”, diz Kaplen. Dos velhos bordéis de Curitiba não se pode se esquecer do Otília, da Rua Fernando Amaro, com as luzes coloridas na porta de entrada, espécie de lampiões iluminando o caminho do prazer.

Os lupanares modestos tinham a mesma e pobre decoração interna: grandes e velhos sofás na recepção e mulheres perfiladas, usando roupas estranhas, que julgavam sedutoras e copiadas de filmes dos anos 20 e 30. Elas ficavam olhando com seus olhares falsamente sedutores e os clientes escolhiam quem desejavam. Além da sala de entrada, por um corredor que às vezes desembocava num quintal e no quintal havia quartos nos fundos, a noite se completava. A narrativa esplendorosa no dia seguinte ficava por conta do criativo boêmio. Fazer é uma coisa, contar é outra.

A boemia libertina continuou nos anos 70 comandada pelo antológico Quatro Bicos. Onde se encontravam as melhoras “meninas” do Paraná. Boas e românticas “meninas”. Por volta de 1975, quando a novela “Gabriela”, com Sônia Braga no papel principal, agitou o país, as “meninas” não queriam sair do quarto para atender os clientes enquanto a novela não terminasse. Dona Maria Machado, ou Maria Japonesa, que deixou o Norte Paraná com a notável fama de ter uma beleza semelhante a da atriz Elizabeth Taylor, tomou uma decisão radical. Permitiu que as “meninas” vissem a novela na televisão colorida em seus quartos, mas “desde que ficassem com um olho no aparelho e outro nos corredores”. O cliente sempre tinha razão.

Negócios são negócios e novela não enche barriga já constatava nos idos tempos a empreendedora do ramo de prazeres carnais e assuntos correlatos. Isso não significava que vez e outra ela não tivesse que meter o pé na porta para chamar uma das 38 garotas para atender um exasperado cliente. A sua vida virou naqueles meses um inferno “por causa dessas malditas telenovelas”. As meninas tentavam argumentar com Maria Japonesa que um dos atrativos da novela era justamente o fato de existir um bordel chamado Bataclan, que parecia a boate Quatro Bicos. A empresária quis saber a razão e Vanessa, linda moça de 20 anos, contou que a maior parte dos clientes do Bataclan era formada por delegado, político e gente notável da sociedade. “Que nem o povo que vem aqui, Dona Maria!”, disse Vanessa. “Claro que a boemia curitibana já estava adquirindo contornos menos boêmios e mais promíscuos”, sentenciou Cristóvão Kaplen que pensa em defender tese de doutorado sobre a história da putaria na cidade.