As pessoas fazem qualquer maldade por dinheiro

Eu vi Ben Sheftel poucas vezes. Em todas ele estava com o amigo e sócio Isaac Yabloner. Em todas estavam bem humorados. Os dois são exímios homens de negócios e também bons contadores de anedotas. São duas características marcantes do povo judeu. Não conheço outro povo que apesar dos percalços milenares pelos quais passou conseguiu preservar o bom humor como o povo judeu. Os humoristas judeus estão entre os melhores que conheço. Eu conheci Ben Sheftel há muitos anos numa grande livraria de São Paulo, em Pinheiros. Embora ele more na capital paulista, eu o vi meia dúzia de vezes, no máximo, em Curitiba. Claro que sempre com Isaac Yabloner. O fato de estarem sempre de bom humor e juntos me fez desconfiar que os dois tinham em Curitiba duas amantes, que eram irmãs gêmeas ou amigas. O que é raro, mas não impossível.

Estou falando de Ben Sheftel, porque o reencontrei domingo numa livraria de Curitiba, da qual gosto muito, mas não vou dar o nome, porque a última vez que eu disse que ela tinha uma banca de ofertas tão generosas que quase montei uma nova biblioteca, alguém deve ter denunciado, porque a banca despareceu por seis meses. Eu entendi que a banca de ofertas generosas é um regalo para clientes fieis como eu e Ben Sheftel e não era para ser anunciada aos quatro ventos como uma liquidação. Fiquei sabendo que uma leitora da coluna que tem sebo no centro da cidade foi no dia seguinte ao que comentei aqui e arrematou tudo o que havia na banca de ofertas generosas para vender a preço normal. Estou citando isto para explicar porque não dou o nome da livraria. 

O meu reencontro com Ben Sheftel foi diferente. Ele estava aborrecido e sozinho. Quando perguntei como estava ele respondeu com uma frase que parecia um lamento: “As pessoas fazem qualquer maldade por dinheiro”. Ben Sheftel, leitor inveterado, nem pousou os olhos na tentadora banca de ofertas generosas da livraria. Percebi que era grave e para mostrar solidariedade, perguntei o que estava acontecendo e se precisasse de ouvinte, eu ouviria a história dele. Ben Sheftel resmungou: “Eu não vou contar, porque você publica tudo na coluna. Eu leio isso na internet”. Eu disse que isto era apenas um pormenor e que ele podia abrir o bico e o coração.

O motivo da tristeza de Ben Scheftel era o sócio Isaac. Os dois estavam com projeto no litoral da Paraíba. Um resort para velhos judeus endinheirados do mundo inteiro. Não ficou claro se os velhos vão ficar lá até morrer ou se vão passar temporada de alguns meses. Mas era coisa planejada e de categoria. Um concorrente que perdeu o negócio decidiu fazer vingança mesquinha. “Isaac está se dedicando de dia e de noite ao projeto na Paraíba. Ele não atende ninguém, não vê ninguém, não fala com ninguém que não esteja envolvido com o projeto. Então um sujeito que ele suspeita que seja este concorrente, telefonou para Hannah, a mulher de Isaac, no meio da noite e disse que ele tinha se suicidado num puteiro de João Pessoa”, contou Ben Scheftel.

Foi uma maldade, porque Hannah era doente e teve colapso nervoso e agora está internada num sanatório. “E Isaac?”, perguntei. “Ele veio ver Hannah, disse para ele que estava vivo e não gastava dinheiro em bordel. Depois, voltou correndo para a Paraíba, para continuar com o projeto. Mas ele está triste e eu acho que tem razão”, disse. Eu perguntei com diplomacia porque Isaac se dedica ao projeto do resort e Ben Scheftel parece não se empenhar. Ele disse que se empenha na parte financeira e de criação de carteira de futuros hóspedes, que seriam associados ou coisa parecida. E por isso faz viagens para a Europa e Israel. “Eu também trabalho. A minha sorte é que sou viúvo. Imagine a situação, por causa de uma mentira, a pobre Sarah ir parar num sanatório? Ainda bem que ela morreu”, disse ele sem que eu soubesse se ele estava falando sério ou fazendo piada. Eu disse em tom de consolo: “O mundo virou uma coisa de louco, meu amigo. O mundo virou um sanatório”. E ele fez uma cara de quem não sabia se eu estava falando sério ou também fazendo alguma piada.