As passarelas estão cheias de sujeitos que parecem mendigos

Eu encontrei sujeitos que não tinham onde cair mortos, mas que andavam numa estica. O leitor mais velho deve conhecer pessoas assim. Que para os estranhos passavam imagem de que nadavam em dinheiro, quando, na verdade, não tinham trocado para um café com pão e manteiga. O importante era a aparência e nisto caprichavam. Nem sei se hoje ainda tem pessoas que investem pesado na aparência, em detrimento do resto. Eu presumo que acontece o contrário – o sujeito está preocupado em juntar grana e não tanto com a aparência. Além disso, em qualquer brechó o sujeito com pouca grana pode sair com cara de conde. Ainda que seja um condenado.

Por isso o meu amigo Tonico Villanueva, de Ponta Grossa, torcedor do Operário Ferroviário, ficou indignado. Ele encontrou um conhecido no centro da cidade e o cara parecia um molambento. Sem motivo aparente – sem descarregar uma carga de repolho no Ceasa. E isto era fora de cogitação: o cara era rico. A visão de um rico molambento chocou Tonico acostumado com a ideia de que rico se veste bem, pobre não se veste bem e tem aqueles que tentam enganar – vestindo-se bem para que pensem que são bem de vida. No caso do amigo do Tonico, inverteu-se a cena do primeiro parágrafo: o rico parecia um miserável.

Ele especulou porque andava assim se podia andar assado. O cara podia usar roupas como os ternos do Carlos Alberto, tudo de categoria. Reconheça-se isto: Carlos Alberto nunca fez cara de pobre. Ele ri aquele riso misterioso, aristocrático – rico não ri à toa. Isto não assusta ninguém. Foi por isso que Tonico se ofendeu: “Meu amigo ficou tão rico e poderoso que pode se dar ao luxo de parecer miserável. Não é e ninguém vai dizer para ele que está mal vestido”. Afinal, está mal vestido não é por falta de dinheiro. Resposta de Tonico: “Eu acho que é ironia. Rico é irônico. Às vezes cínico. Ele quis dizer que usar roupas caras é perda de tempo e de dinheiro”. É uma explicação sofisticada.

Mas acho que o milionário estava molambento porque achava que estava na moda. Só isso. Hoje em dia não existe diferença entre ser elegante e molambento, a não ser que o sujeito seja mendigo e neste caso a molambice é acompanhada de moscas e mau cheiro, que torna a cena insuportável. As passarelas de moda estão cheias de sujeitos que mais parecem mendigos. E é tudo última moda. E Tonico Villanueva nunca foi um sujeito muito atento à última moda em Paris. No começo da semana eu encontrei uma moça linda que conversava com a amiga. Cabelos bem tratados e rosto lindo.

Ela usava casaco branco, sapatos bonitos e calça jeans esfarrapada. A calça parecia surrupiada de soldado metralhado na Primeira Guerra Mundial. Cheia de furos e fiapos nas pernas, tanto acima como abaixo do joelho. E onde eu esperava ver um buraquinho para observar melhor o corpo da moça, não tinha nada. Eram furos e fiapos cuidadosamente espalhados. E, pasmem! Aquilo era chique. Quando me disseram eu respondi que por aquele valor estético eu tenho uma fortuna em roupas em casa. Como eu sou um pouco supersticioso, eu guardo roupas velhas que tenham algum significado esotérico.

Por exemplo, eu tenho um casaco xadrez vermelho e marrom que comprei em 1971 numa loja da Rua XV que nem existe mais. Sem contar calças Lee com buracos no traseiro e em tudo que é lugar. Todas estas roupas velhas devem valer uma nota preta. Hoje um sujeito nos trinques pode estar fora de moda e um molambento está em perfeita consonância com a última moda em Paris. É isso. Hoje todo mundo anda meio esfarrapado. No meu tempo de criança, rico tinha cara de rico – e quem não era rico procurava passar esta aparência. Hoje em dia embolou. Pobre continua tendo cara de pobre, mas tem rico, nem todos, enganando muita gente por aí. O engraçado é que quanto mais enganam as pessoas, mais ricos ficam. Talvez esta seja a grande metáfora de tudo isto: quanto mais os ricos enganam, mais ricos eles ficam. Tonico me olhou com seus olhos de revolta e disse: “Epa! Então é isso. Aquele desgraçado me enganou”.