As misteriosas e lindas loiras tristes da cidade

Eu conheci a primeira loira na noite do penúltimo sábado no bar de um amigo. O bar estava meio vazio e ela chegou, sentou a mesa próxima do balcão, acendeu um cigarro e pediu um Mojito. Eu reparei em seus cabelos curtos, olhos verdes e dedos longos. Eu gosto de mulheres de dedos longos porque os imagino se movendo sobre o teclado de um piano tocando Chopin ou blues. Esta loira era magra, alta e vestia calça negra, casaco negro sobre blusa branca. Chegaram outras pessoas e meu amigo que conversava comigo e com a loira, deu atenção aos recém-chegados. A loira me convidou a sentar a sua mesa, por conta de nossa incipiente amizade. Eu perguntei onde ela aprendeu a tomar Mojito, coquetel à base de rum cuja criação é atribuída a Ernest Hemingway no La Bodequita del Médio, em Havana, apreciado por Brigite Bardot, Nat King Cole e Cláudio Doggy.

Ela disse que foi com seu marido, que queria ser escritor, mas virou publicitário e ganhou dinheiro em campanhas políticas. “Nós nos separamos há vários anos”, disse, sem traço de rancor ou mágoa. “Ele me deixou indicação para um emprego público no qual trabalho ainda hoje, uma filha de 17 anos e o hábito de tomar Mojito, além de amigos como o Tony”, completou. Tony era o dono do bar, um ucraniano. A loira era bonita, inteligente e triste. Ela nasceu em São Paulo, se chamava Margot e não gostava de Curitiba. Seu desejo é ver a filha formada e empregada, para ir embora da cidade onde está há vinte anos. “Meu sonho é morar no Rio de Janeiro ou na Bahia”, disse com repentino brilho nos olhos verdes.

Eu me espantei: “Bahia?”. Ela disse que podia ser Ilhéus ou Salvador. Eu falei que ela queria situações ideais. “Elas não existem”, disse por conta de minha convicção cartesiana. Eu disse que ela ia ficar por aqui. E que, se fosse para o Rio de Janeiro, iria se arrepender. Ela quis saber o motivo. “É um lugar que tem muitas balas perdidas. E onde tem muita bala perdida, uma sempre acaba encontrando a gente”, respondi. Ela me olhou, piscou o olho esquerdo e disse maliciosa: “Querido, eu vou. Um dia eu vou”. E a noite terminou assim, com ela querendo ir. Eu disse que também queria ir e perguntei se ela me dava uma carona. Eu acho que ela entendeu que eu queria dormir com ela porque ela respondeu que ia embora sozinha.

E, assim, para não ter que ir a pé para casa, eu entrei no primeiro ônibus que passou pela Mateus Leme: ele ia para Itaperuçu, estava vazio, o motorista estava sonolento e o cobrador quase dormindo. O cobrador levantou a cabeça e disse que eu era um cara de sorte: “Este é o último da noite”. Acordei na manhã seguinte de ressaca e na terça-feira eu estava inteiro na estação tubo da Praça Eufrásio Correia, onde encontrei a segunda loira. Ela perguntou: “Quanto tempo leva para ir ao terminal Santa Cândida?”. Olhei. Era loira, alta, bonita, jovem, cabelos encaracolados. Magra e corpo sinuoso. Tinha olhos verdes e lábios vermelhos. E uma voz melodiosa, suave e sedosa que me encantou. Eu disse que demorava vinte e cinco minutos.

Perguntei as horas; ela consultou o relógio de pulso. Gostei. Em geral as pessoas escarafuncham bolsas e bolsos em busca do celular. Já houve situações de pessoas com relógios que eram enfeites. O ônibus chegou, entramos e sentamos no mesmo banco e fomos conversando. Eu ia para o Cabral. Ela disse que era casada, recém-chegada à cidade, vinda de Ouro Preto. Estranhava um pouco o frio da cidade e das pessoas. Mas nem tanto porque morou em Berlim e em Genebra, onde estudou relojoaria. Era qualificada na arte, ciência ou técnica do relógio, mas não se empregava no Brasil onde o ofício é desenvolvido por técnicos sem formação refinada, como os relojoeiros suíços. Sem contar que até eles sofrem depois que apareceu a praga do celular. Eu perguntei por que ela voltou para o Brasil. Ela disse que não era feliz na Suíça. Ela parecia sensível. E aquele sotaque mineiro melodioso parecia música. Quando menos percebi, estava no Cabral. Antes de ir embora eu disse meu nome e ela disse que se chamava Marina.