As aventuras ordinárias e extraordinárias de Tião Shangri-Lá

Na quinta-feira passada estive em Maringá para falar com um amigo. Marquei encontro no “escritório” da Avenida Getúlio Vargas. O tal “escritório” é um ponto de encontro semelhante à Boca Maldita em Curitiba. Mais especificamente diante da banca de lustrar sapatos do Baianinho, titular do posto há mais de 50 anos. Cheguei, sentei num banco ao lado da cadeira do Baianinho e perguntei como iam as coisas. Foi perguntar e começou a chover. Achei que meu amigo não ia aparecer e ainda por cima tinha boa desculpa. Como não tinha assunto, perguntei por onde andava Tião Shangri-Lá. Baianinho respondeu que ele estava cego. Fiquei perplexo. O interlocutor percebeu e arrematou: “Mas não se preocupe. Ele está fazendo cego tudo que fazia quando enxergava. Inclusive andar de carro e escrever a coluna”.

Aquilo era extraordinário. Mas Tião Shangri-Lá era dado a aventuras extraordinárias e algumas ordinárias. Muitas acarretaram carreirões em pequenas cidades da região quando ele vendia cartelas de bingos que eram arapucas, porque ganhava gente do esquema. Os caras que compravam descobriam e não gostavam. Uma vez tentaram incendiar os carros e Tião Shangri-Lá, mais rápido que raio e mais corajoso que soldado mongol se jogou embaixo de um ônibus, grudou ali e foi se arrastando por alguns quilômetros até os perseguidores desistirem de tentar pegá-lo. O homem era fera. Gente boa que só, mas aprontava cada uma de arrepiar. Tião Shangri-Lá tinha este nome porque começou a jogar futebol num time amador do bairro Shangri-Lá em Londrina.

Um olheiro vesgo achou que ele era craque e o levou para o Arapongas Futebol Clube. Não lembro dele jogando no Arapongas, mas garantiram que ele andou por lá. Esteve no Astorga e defendeu o Estrela do Norte de Ibiporã. O pai dele era torcedor do Ferroviário e o sonho de Shangri-Lá era enfrentar o Clube Atlético Paranaense, coisa que não conseguiu antes de pendurar as chuteiras. Então foi para Maringá e se enturmou com um time amador da Vila Marumbi. Virou diretor de esportes e depois presidente do clube que transformou em profissional. A primeira coisa que fez foi contratar o Atlético Paranaense para um amistoso no estádio Willie Davids, isto por volta de 1972.

Algumas centenas de pessoas foram conferir a estreia do Marumbi contra o Atlético e ficaram estarrecidas ao perceberem que o centroavante do time local era o presidente, Tião Shangri-Lá, que a esta altura do campeonato tinha protuberância abdominal indisfarçável. A torcida berrava: “Sai daí, Shangri-Lá. Bota um centroavante de verdade”. Tião Shangri-Lá não saiu. Correu de um lado para o outro balançando a pança, como um Chacrinha do futebol até se cansar, o que aconteceu no fim do primeiro tempo. No segundo tempo, o centroavante titular entrou. Mesmo assim não foi suficiente para evitar a derrota para o rubro-negro por 2 a 0 que não fez mais por elegância e respeito aos anfitriões. No entanto, Tião Shangri-Lá realizou um sonho: enfrentou o Atlético Paranaense. Depois se embrenhou em múltiplas atividades. Uma delas foi escrever coluna sobre futebol para um jornal esportivo.

E assim o tempo passou e Tião Shangri-Lá foi vivendo do futebol e para o futebol, que mais lhe tomou do que deu, porque apesar de tudo, ele tinha o coração do tamanho de uma abóbora. O futebol era a razão de sua existência. Ainda hoje. E ali estava eu falando dele e Baianinho me conta que ele estava cego. Fiquei penalizado. E quis saber como ele fazia a coluna. Baianinho disse que era simples. “Tem um cara que dirige o carro para ele, ele vai para os lugares onde estão os caras da bola, fica sabendo das coisas, coloca sua opinião no meio, volta correndo para casa, dita para o filho e ele manda pra frente com os mesmos erros de português do Shangri-Lá que aquilo já virou um estilo”, disse ele. Eu fiquei em silêncio, impressionado com a obstinação do sujeito. Estava ali estarrecido quando, para minha surpresa, o meu amigo aparece de guarda chuva. Parei de pensar no Shangri-Lá e fomos para o Café Acukapê falar dos bons tempos em que havia futebol vistoso na cidade.