Encontrei Vilibaldo, que há muito não via. As coisas mudaram para ele. Trocou pequeno mercado na Cidade Industrial pelo ministério. Virou pastor, os negócios vão de vento a popa e ele não tem do que se queixar. Quer dizer, negócios é expressão minha, porque se o sujeito virou pastor e ficou bem de vida, a nova atividade não deixa de ser um negócio. Ele disse que se enfarou do cheiro de fruta, cheiro de bebida, cheiro de depósito de verdura e chutou o pau da barraca. O talento acumulado no atendimento do mercado foi útil no ministério, como chama a nova atividade. Vilibaldo perguntou: “Você não tem vontade de chutar o pau da barraca?”. Eu respondi: “Nenhuma!”. Ele disse que eu não sou normal. Eu respondi que sou normal, as pessoas que não olham direito.

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Mas, para ele não achar que, com esta resposta, eu fosse ainda menos normal do que pensava, eu disse que não chuto o pau da barraca por dois motivos: primeiro, que não tenho idade para chutar nem bola de futebol, quanto mais o pau da barraca. Estou numa idade de tomar cuidado com a barraca. Deixá-la bem armadinha. E, segundo, porque eu chutei o pau da barraca há muito, no primeiro semestre de 1975. Eu trabalhava na agência de um grande banco paulista. Era chefe de seção, o gerente – que era jovem e promissor e veio a ser diretor do banco – disse que eu tinha tudo para fazer carreira na instituição. E, com 21 anos, eu chutei o pau da barraca. Resolvi ser jornalista.

Repórter no interior não ganhava piso salarial naquele tempo. E trabalhava muito. Eu passei a ganhar 20 por cento do que ganhava no banco. As pessoas me diziam que eu era louco, outros que eu era arrojado e os mais velhos que daquele jeito eu ia me ferrar na vida. Não vou deixar a impressão de ser mais arrojado que sou: na realidade, eu entrava 7 horas da manhã no banco e trabalhava até as 19, com duas horas para o almoço. Muitas noites eu tinha de ficar até altas horas procurando diferença – quando o “pago” não bate com o “recebido”. E como eu acabara de passar no vestibular para o curso de Direito e queria conclui-lo, a conclusão era a de que ou eu saia do banco ou saia da universidade. Fiquei com a primeira opção. Terminei o curso e virei jornalista para o resto da vida.

Mas não deixou de ser um chute no pau da barraca. Vilibaldo balançou a cabeça de um jeito que senti que ele me colocou de novo na coluna das pessoas normais. Afinal, eu tive vontade de chutar o pau da barraca e chutei. Claro que uma pessoa que tem vontade de chutar o pau da barraca e não chuta é tão ou mais normal que outra que chuta. A anormalidade no julgamento de Vilibaldo era pela falta de vontade de jogar tudo para o ar, que ele acha inerente ao ser humano e que acreditou estar ausente em mim. Neste aspecto ele tem razão. Se eu for aqui relacionar as pessoas conhecidas que tem uma vontade louca de chutar o pau da barraca, vai faltar espaço. E muitas vezes se trata de gente que está em emprego ou atividade que remunera bem, mas está insatisfeita.

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Uma amiga minha arquiteta, bonita, mora em São Paulo e trabalha há anos numa importante empresa nacional. Ela disse que está cansada do emprego. Tem vontade chutar o pau da barraca e ser arteterapeuta. Mas, felizmente, ela não tem coragem de chutar o pau da barraca. Outra amiga que é professora de educação física e para divertir os alunos começou a tocar violão na escola com uma dona que trabalha na Receita Federal está pensando em chutar o pau da barraca para fundar uma dupla sertaneja que se chamaria Adrenalina e Aduaneira. Eu disse para ela que o ramo sertanejo remunera bem quando os caras estão no auge – uma minoria. Para chegar lá, tem chão. As duas estão animadas. Não dá para incentivar, nem para desanimar estas pessoas. Chutar o pau da barraca é algo de alto risco que tanto pode dar certo, como no caso do Vilibaldo, como pode dar errado. O mais importante é não tomar decisão baseado na vontade louca, mas em algo mais concreto, como certo planejamento prévio. Mas, aí, já não é mais chutar o pau da barraca.