Amélio está solteiro de novo. Quem me contou foi Sebastião Pereira. Portanto, Amélio, vá cobrar o vacilo dele. Porque ele me contou nos mínimos detalhes, mínimos detalhes que não vou reproduzir. Todo mundo sabe que Amélio sempre foi um cara bacana, sem vaidade, que trabalha de sol a sol e nunca deixou faltar nada em casa. E todo mundo sabe que Roberta não era mulher de ficar com um homem só e que dava mole pra todo mundo. Mas como todo mundo era amigo do Amélio, ninguém se engraçou para o lado dela, nem mesmo quando Roberta cumprimentou com sorriso faceiro e malicioso: “Oi Tião, hoje cê tá um doce!”. “Te juro que engoli seco, mas respeitei o compadre”, confessou Sebastião que é vizinho de Amélio, a quem deu o filho Amarildo para batizar.

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Mas Sebastião deu flagra auditivo na pauleira que rolou no quarto de casal na casa de Amélio. Coisa feia! O compadre chegou cedo e viu alguém pular a janela do quarto. Ele correu para a janela e viu o vulto pular o muro dos fundos e sair cambeteando no meio da noite que caía sobre a cidade. Roberta entrou em pânico e falou: “Não é o que você está pensando! Não é mesmo, Amélio!”. Amélio era homem bom, homem de verdade, mas não tinha sangue de barata. Ele partiu para cima de Roberta e cobrou o vacilo, sem botar a mão nela, porque agora tem Lei Maria da Penha na parada: “Me diga quem foi o homem que saiu daqui. Quero nome e endereço do canalha”. Quando ouviu Amélio falar daquele jeito, Roberta ficou arrepiada. Ela nunca tinha visto Amélio tão macho na vida.

Mas ser macho depois do flagra era o mínimo que ele podia fazer. Roberta gaguejou: “Eu te juro, Amélio! Acredite, homem de Deus! Eu não estava com homem no quarto. Que um raio caia na minha cabeça e me parta em duas, se eu estava te traindo com um homem”. Ela falou com tanta segurança, firmeza e convicção, que Amélio balançou. Alguma coisa estava errada, mas alguma coisa também estava certa. Ele fechou a porta, encurralou-a num canto: “A gente precisa chegar num acordo, nega. Acho bom você falar a verdade, que uma hora eu descubro e vai ser pior”. Roberta gaguejou de novo, tentou chorar e disse: “O que você quer que eu faça?”. Amélio achou a conversa numa direção meio frouxa. Aquilo ia acabar em esculhambação.

Ele perguntou: “Você quer dizer que eu não vi nenhum homem sair deste quarto, pular a janela, pular o muro e sair correndo?”. Ela disse: “Sim. Quero”. Ele mostrou a cama desarrumada: “E isto o que é?”. Ela disse: “Cama desarrumada”. Ele se controlou: “E você insiste que ninguém saiu deste quarto?”. Roberta abaixou a cabeça e murmurou: “Eu não disse que ninguém não saiu do quarto. Eu disse que nenhum homem esteve aqui. Eu juro pela minha mãe”. Amélio bufou, abriu os braços e perguntou: “Muito bem, Roberta, quem estava aqui e pulou o muro?”. Roberta levou as mãos aos olhos, chorou e finalmente entregou os pontos: “Foi a Verona!”. Verona era funileira do martelinho de ouro do bairro. Falava mais grosso que Vicente Celestino cantando “O Ébrio”. E tinha no portfólio cinco passagens pelo distrito. Todas por agressão a sujeitos que tentaram tirar satisfação com ela.

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Verona era tão da pesada que desfigurou um lutador de MMA com chave inglesa. Amélio ficou em silêncio, abaixou a cabeça, pensou, enquanto Roberta se encolheu num canto do quarto esperando o veredito do marido. Amélio coçou o queixo e disse como fosse Salomão, o terceiro rei de Israel: “Vamos considerar que não foi homem. Neste caso eu não sou corno”. Roberta disse: “Eu também acho, Amélio. Você é um homem de verdade”. Amélio perguntou: “Ela gosta de você?” Roberta disse: “Ela disse que me ama”. Amélio falou: “E você gosta dela?” Roberta choramingou: “Eu acho que sim, Amélio”. Amélio respirou fundo: “Então, Roberta, pega as tuas coisas e vai morar com a Verona. E seja feliz”. E foi assim que ele ficou solteiro. Mas Verona não era otária. Ela botou Roberta para correr. Sem ter par,a onde ir, Roberta voltou para a casa da mãe em Agudos do Sul. Sem Amélio e sem Verona. Agora chora todo dia tentando entender o que aconteceu.