Nós conhecemos Júlio Cesar Cleaver no dia 14 de agosto, exatamente um mês e dez dias depois de ele completar sessenta anos e exatamente um mês antes de fazer vinte anos como garçom do primeiro turno no Gran Ritz Hotel de Montevidéu. O nosso encontro aconteceu de manhã, quando descemos para o breakfast, composto por pão com manteiga ou marmelada de durazno (pêssego), croissant e café com leite. Embora a descrição sugira um café da manhã frugal, nós gostamos e, portanto, não reclamamos. Talvez por causa do croissant delicioso. Enquanto tomávamos café, Júlio Cesar ao nosso lado estava empenhado em procurar assunto. Ele finalmente conseguiu algo: “Eu nasci no dia 4 de julho de 1954”, disse.

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Encontrada a frase inicial, as outras vieram naturalmente. “É um dia importante, porque é o dia da independência dos Estados Unidos. Por isso eu me chamo Júlio Cesar, porque ele foi um imperador em Roma”, disse. Eu não entendi a relação da independência americana com o imperador romano e fiquei pensativo, algo que não ocorreu a J. Bressan, cujo interesse principal é carro velho. Depois do café da manhã, saímos para conhecer o Teatro Solis e outros pontos da cidade. Quando voltamos para o hotel, depois do almoço num bistrô no centro da cidade, estávamos cansados. O plano era dormir um pouco para à noite ver Reynier Mariño com seu espetáculo sobre Federico Garcia Lorca na Sala Zitarrosa.

Os planos foram interrompidos por Júlio Cesar. Ele bateu na porta do quarto. Para conferir detalhes. Primeiro: “Vocês vão ficar hospedados no hotel?”. A resposta foi sim. Segundo: “Vocês sabem o preço da diária?”. A resposta foi sim, porque ela foi acertada com El Dueño. Júlio disse que El Dueño era bom sujeito, mas La Dueña era meio confusa. El Dueño virou nome próprio porque Bressan achou que fosse e não conseguia pensar de outro modo. Júlio César explicou os seus temores que na realidade eram os de La Dueña. Alguns hóspedes saíram sorrateiramente no meio da noite sem pagar a conta e ela ficou traumatizada. Asseguramos que isto não ia acontecer conosco. Ele ficou nos olhando. Eu perguntei: “Mais algum problema?”. Ele respondeu que não. E, para minha surpresa, pegou a minha mão direita com as duas mãos, num cumprimento inesperado e entusiasmado e disse: “Vocês pessoas muito boas”. E foi embora.

Bressan disse: “Este cara é louco. Ou La Dueña é louca e o obrigou a fazer estas perguntas”. Eu disse que as duas alternativas eram corretas: La Dueña era neurótica e Júlio César era maluco. Espichei as pernas, recostei no travesseiro e a última coisa que ouvi foi Bressan dizer, assustado: “E você ainda consegue dormir depois de ouvir uma barbaridade desta?”. Eu não respondi por que já estava dormindo. Acordei duas horas depois, refeito e fui ver o espetáculo que desejava. Nos dias seguintes, Júlio César mostrou-se simpático e até útil sugerindo lugares para visitarmos. Como nossos gostos não combinavam, agradecíamos e íamos para outro lado.

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No último dia, no último café da manhã, ele contou um segredo: “Eu não gosto de futebol”. E sussurrou: “Eu gosto de ferro!”. Bressan perguntou: “Você gosta de ferro?”. Ele respondeu que sim e fez um gesto com as mãos, de alguém dirigindo carro. Eu disse automobilismo e ele disse sim. Tiramos uma foto com Júlio César, pagamos a conta e fomos embora. Eu disse para Bressan: “Acho que vou sentir saudades deste sujeito. Ele é a cara de Arthur Stanley Jefferson”. Bressan disse que concordava embora não soubesse quem era o tal Arthur Stanley. Deixamos a Calle Andes e entramos na 18 de Julio. De repente, Júlio apareceu diante de nós: “As chaves. Vocês levaram as chaves. Se levarem as chaves ninguém se hospedar no quarto 504 outra vez”. Bressan disse que deixou as chaves sobre o balcão da portaria. Júlio Cesar não acreditou e Bressan retornou para o hotel para mostrar o local onde deixou as chaves. Quando voltou, Bressan disse: “Acho bom a gente cair fora logo, antes que Júlio Cesar apareça com mais uma história&,rdquo;.