Um cara disse que estava com dor nas costas. Ele tomou Dorflex e melhorou. Outro falou que a gripe apareceu, mas se entupiu de Benegrip e dormiu: “Acordei sem gripe nenhuma”. Um terceiro ouviu a conversa e sapecou: “Tomou Doril, a dor sumiu”. Quem popularizou o bordão foi a atriz Regina Duarte. Uma amiga ouviu e disse: “Nós estamos no século 21 e ainda somos dependentes de drogas químicas modernas que resolvem um problema, mas certamente criam outros dez. No tempo da minha avó, da minha bisavó, era tudo na base do chazinho. Havia ervas para tudo. Elas eram saudáveis. Sem contar que esta história de automedicação é faca com dois gumes”. A conversa sobre doenças e remédios mixou.

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Eu não me intrometi para não ser intrometido. Quanto à automedicação ela está certa: é perigosa. No entanto, chazinho era real, mas tem muito folclore. Há 80 anos havia panaceias para todo tipo de doenças, algumas populares na época e hoje menos comuns e muitos produtos sem confirmar eficácia. Havia uma profusão de elixires miraculosos, como o Elixir de Nogueira, do químico João da Silva Silveira, contra o cancro sifilítico. A propaganda dizia que o cancro consumiu o nariz de José Maria Pereira da Silva, morador na Serra dos Tapes: “A terrível enfermidade já havia destruído aquele órgão, deixando em seu lugar um profundo e terrível espaço carcomido e vazio”. No entanto, “depois de 59 frascos daquele eficaz elixir, acha-se o Sr. Pereira completamente restabelecido”. Como o elixir tampou o buraco que o cancro abriu na cara do Sr. Pereira até hoje ninguém sabe.

O Elixir de Inhame fortalecia e engordava. As mulheres sofriam muito naquele tempo. Ainda bem que havia o Fluxo Sedatina para cólicas uterinas. Resolvia em duas horas. Meninas de 13 a 15 anos eram aconselhadas a tomá-lo para não se estrebucharem à toa. E se o problema eram manchas na pele, rugas, cravos e poros abertos, Dissolvente Natal matava a charada. Com direito a lindos prêmios a quem mandasse o endereço para o laboratório. Os nossos avós tinham bafo terrível. O problema era o grande acumulo de impurezas e fermentações tóxicas no estomago e intestino. Aquilo era uma usina de bafo de onça. Para evitar o mau hálito, era indispensável trabalhar com todo cuidado o estomago e intestino sobrecarregados com comidas pesadas, indigestas, mal mastigadas e por licores e bebidas quentes ou frias. Ventre-Livre era tiro e queda.

Ventre-Livre foi desenvolvido pelo Dr. J. Cesteira, da Sixth Avenue, 161, Nova York, mas estava a venda em todo o Brasil dos anos 30. Era golpe de morte no bafo de onça. A propaganda naquele tempo já pegava pesado: “A morte sempre tem desculpa, porém a vida sempre tem um salvador”. O “salvador” era o elixir Galenogal, “único depurativo classificado como preparado científico”. Naquele tempo já havia “tratamentos modernos” para úlceras do estomago e duodeno, colites crônicas e diarreias rebeldes – aquelas que aconteciam nas horas impróprias e nos locais mais inadequados, como num baile ou na missa. E quem estava à frente neste ramo da medicina era o Dr. Mendes de Araujo, consultório à Avenida João Pessoa, 68, nos altos da Farmácia Avenida. Ele era o cara no tratamento do aparelho digestivo, eliminando hemorroidas sem recorrer à operação.

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Os novos equipamentos atraíam os pacientes. Em 1935, o professor Edmundo Romanelli, com consultório na Rua 15 de Novembro 386, tinha o moderno aparelho de eletroterapia, com aplicações de raios violáceos de alta frequência. Sabe para quê aquele negócio? Funcionava contra gonorreia e suas complicações, metrite, ovarite, salpingite, leucorréia, bronquite, asma, arterioesclerose, reumatismo, diabetes, câncer, impotência, frieza sexual e outras enfermidades, tudo através de processos rápidos e indolores. Era só ficar na frente do professor Edmundo e mandar o cara apertar o gatilho. Mudaram os remédios e as engenhocas. Mas ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.