Eu sou jornalista desde 1975 e fui editor de política em duas ocasiões – em 1984 e 1985 na Folha de Londrina e durante sete anos, até 2011, em O Estado do Paraná. No entanto eu nunca presenciei uma campanha política tão baixa, asquerosa e rasteira como a que chega a termo neste domingo. Não sei quem vai ganhar, mas sei quem perdeu: a democracia brasileira que em vez de competição de ideias assistiu a um festival de agressões, mentiras de ambos os lados, traições, acusações, que não ficaram restritas aos políticos. Se fosse, seria compreensível embora pouco aceitável. Mas a coisa desandou num verdadeiro bullying eleitoral, com envolvimento de grandes empresas de comunicação que transcenderam os limites da decência. O que aconteceu nos últimos meses foi exatamente isto: atos intencionais e repetidos de violência psicológica.

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Eu tenho um amigo em Londrina, entre muitos outros, sujeito da mais alta categoria humanista, que simplesmente não sabia mais o que dizer, para não perder amigos. Ele tentou manter neutralidade. Mas impossível neste Fla-Flu odioso. Tudo o que dizia que não fosse o que o outro queria ouvir, redundava em rótulos inaceitáveis. Ele não foi o único que se sentiu agredido porque não quis participar da carnificina. As redes sociais perderam a noção de relacionamento e assistiram nos últimos meses a intensa propaganda de mau gosto, sem eficiência eleitoral e que redundou na melhor das hipóteses no oposto do que apregoam: perda de amigos. Eu tive de eliminar mais de uma dezena de minha conta, por intromissão em diálogos entre pessoas que não conheciam para ofender gente que nunca viu.

E o pior de tudo isto é que esta ação política é inócua. Quem está numa rede social e estabelece um círculo de amigos, certamente é pessoa que já se definiu politicamente, sabe de quem gosta e de quem não gosta. E, pelo princípio das redes sociais, entra num tipo de relacionamento em que o pressuposto básico é respeitar a opinião adversária. Nada disso ocorreu. E não adianta argumentos de natureza racional, porque não foi a razão que estava em jogo, mas a paixão. Quando a política é exercida com a paixão do futebol e o fanatismo das religiões, a coisa tende a desembocar em violência do que em solução e em entendimento, porque estas dependem em grande parte do respeito às opiniões contrárias e às normas de civilização.

A coisa nesta eleição chegou a um nível tão absurdo, que até a comportada, recatada e elegante classe A paulista foi às ruas berrar e gritar. Não digo que esteja certa ou errada, apena um fenômeno nunca ocorrido na política brasileira e que arrancou comentários irônicos da revista inglesa The Economist que, por sinal, declarou apoio para o candidato do PSDB. O que considero preocupante, independente do resultado de amanhã, é que país vamos herdar destas eleições. Seja qual for o vencedor, vai pegar um país dividido. O tamanho da divisão vai ser revelado naturalmente pelo resultado anunciado no final deste domingo. Mas um país dividido, com o vermelho odiando o azul que odeia ainda mais o vermelho.

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Não é assim que se constrói uma nação civilizada e muito menos um país próspero. Claro que se vencer o PT, o Brasil não vai acabar. E não acabará também se o PSDB for vencedor. A realidade é que não haverá, pelo menos é o que deduzo com as informações disponíveis, mudanças substanciais seja qual for o vencedor. Integrantes corruptos os dois lados têm e bons quadros idem. Toda violência verbal e muitas vezes transbordando para agressões físicas se relaciona com algo simples: poder. Porque, quem tem poder tem grana. Uma disputa não pode dividir um país da forma como aconteceu nos dias 23 e 24 de agosto de 1572 na França, no Dia de São Bartolomeu, em Paris e depois em outras cidades francesas. As divergências mal resolvidas entre protestantes e católicos, desembocaram no massacre dos primeiros pelos segundos. Até hoje ninguém sabe o real número de mortos. Uns falam em 2 mil pessoas e outros em 70 mil,. O sangue banhou a França com o único liquido que sacia o ódio. Não é por aí.