“Aguenta firme, Venâncio, que todo o Brasil torce por você”

Peixoto Filho não tinha atração na segunda-feira de outubro de 1962 quando o sujeito de bicicleta apareceu diante do prédio da Rádio Cultura dizendo que queria bater o recorde mundial de permanência sobre o veículo, sem tocar os pés no chão, que pertencia ao chileno Juan Gonzalez. O chileno pedalou 24 horas ininterruptas numa praça de Valparaíso. O sujeito disse que ia ficar 25 horas. Peixoto deu a última tragada no Continental sem filtro, jogou o cigarro na calçada e pisou no toco fumegante. O caso do ciclista podia dar bom samba. Ele quis saber o nome do tipo: Venâncio Araripe Lucena, 38 anos, de Juiz de Fora, ciclista profissional.

Peixoto não sabia o que era ciclista profissional. Lucena explicou que ganhava a vida com a bicicleta. O radialista quis saber uma coisa: “Você já fez isto em algum lugar?” Lucena disse que em Governador Valadares ficou 10 horas pedalando na praça, em Franca conseguiu chegar a 15 horas e em Petrópolis foi a 20 horas. Antes que o radialista colocasse em dúvida as proezas, ele mostrou recortes de jornais. Explicou que escolheu a cidade porque era o lugar ideal e também porque conseguiu carona num caminhão de mudanças. “Acabei de chegar”, disse. A primeira coisa que fez foi ir à rádio. O programa ia começar em meia-hora. Peixoto ainda não tinha nada nas mãos. Era aquilo ou nada.

Ali mesmo na calçada armou esquema com Lucena, enquanto pediu para Catraca conseguir na Prefeitura autorização para usar a Praça Raposo Tavares. E, depois, que conseguisse cem metros de corda na Casa Moreira, para fazer cordão de isolamento. O resto seria no gogó. Meia-hora depois estava no estúdio com microfone na mão: “Senhoras e senhores, aqui é Peixoto Filho, do programa O ouvinte é quem manda. A nossa atração de hoje na ZYS-23 é o grande ciclista brasileiro Venâncio Araripe, que contratei em Minas Gerais para bater o recorde mundial de permanência sobre veículo de duas rodas. O desafio vai começar hoje às 17 horas na Praça Raposo Tavares. Não percam! Vai ser emoção do princípio ao fim”.

Venâncio deu entrevista e foi com Peixoto Filho para a praça. O radialista amarrou corda em árvores e objetos de concreto para isolar a área em que Venâncio ia pedalar as próximas 25 horas. Às 17 horas em ponto quando começou a pedalar, havia mais de duzentas pessoas ao redor do cordão de isolamento. Embora a noite se aproximasse, mais gente chegava. Peixoto Filho concluiu que a promoção era um sucesso. Ele passou a transmitir flashes ao vivo. De madrugada tinha mulheres com vela na mão fazendo promessa para Venâncio não cair. Na manhã seguinte, Venâncio pedalava de um lado para o outro na praça, sem colocar os pés no chão. Catraca disse que empresas estavam interessadas em fornecer prêmios para o ciclista, desde que seus nomes fossem veiculados na transmissão.

Peixoto Filho topou a parada. Depois do meio-dia, mais de mil pessoas em silêncio observavam Venâncio pedalar. Quando abriam a boca era para sussurrar: “Será que ele vai bater o recorde mundial?” Ninguém sabia. E ninguém queria falar alto para não tirar a concentração do ciclista. Perto das 16 horas era visível o cansaço de Venâncio e ainda mais visível a angustia das pessoas – agora mais de duas mil na praça, em cima de edifícios próximos e outras penduradas em árvores. Nesta altura, a Rádio Cultura transmitia ao vivo. Quando o radialista anunciou 17 horas, a multidão vibrou. O ciclista brasileiro igualou o recorde do chileno. Agora era rezar para aguentar mais uma hora. Os últimos vinte minutos foram de angústia. A bicicleta oscilava de um lado para o outro, as pernas do ciclista doíam de câimbras. Peixoto Filho se esgoelava e repetia: “Aguenta firme, Venâncio, que todo o Brasil torce por você”. Venâncio nem ouvia. Ele bufava, tirava energia de onde nem sabia. Até que às 18 horas a multidão vibrou e Venâncio desmaiou. Ele bateu o recorde mundial. Naquela noite foi para um hotel exausto, dormiu e no dia seguinte foi embora com um monte de prêmios.