O velho Isaac ben Gabav que era leitor voraz de livros pegou mania de ler tudo o que aparece na internet. Está certo que este hábito não é novo, mas nos últimos meses virou algo parecido com doença. Como se aposentou, agora fica o dia inteiro lendo todo tipo de informações, principalmente as relacionadas com astronomia e com a ecologia. Ele está preocupado com o destino do mundo – mais especificamente, com o planeta. Ele me telefonou ontem à noite para dizer: “Vou ser sincero, meu amigo, eu estou apavorado”. Ele falou sobre seu temor de faltar água dentro de alguns anos. “Não vai ter água para todo mundo. Escreva o que eu estou falando. As guerras vão ser por água e comida no futuro”, disse ele, alertando que não temia por si, mas por seus “queridos netinhos”.

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Ele acha que o problema da água vai causar estrago antes que as calotas polares derretam e inundem as cidades litorâneas, que era a sua preocupação anterior. No mesmo tempo que ele se anima com a possibilidade de descoberta de outros planetas habitáveis, ele também se martiriza com o tratamento que o homem dá para o planeta em que estamos: a Terra. Por exemplo, os oceanos. Ele disse que leu “não sei onde, mas foi na internet”, que o Japão está empesteando o oceano com substâncias tóxicas de uma usina nuclear cujo reator bateu biela. “Estes malucos não pensam na humanidade. Pensam apenas em se livrar de um lixo que vai acabar com uma das maiores fontes de alimento para o mundo que é o mar. Com o mar empesteado o planeta, como o conhecemos, está com os dias contados”, disse.

Até eu que estava tomando um vinho tranquilamente fiquei preocupado, ainda mais com a urgência que ben Gabav colocava na voz. Mas eu me assustei mesmo quando ele disse: “Você tem que fazer alguma coisa!”. Eu gaguejei e quando falei foi esta pergunta: “Eu? Por que justamente eu, Isaac?”. Ben Gabav disse que era eu porque ele não se lembrava de mais ninguém e afinal de contas eu tinha profissionalmente um compromisso com o futuro do planeta. Eu achei um exagero. Eu sou jornalista e não profeta – além disso, sou jornalista, mas não vim de Krypton. Quem veio de lá foi o Clark Kent, que aliás não trabalha comigo na Tribuna. Ele é repórter do Planeta Diário.

E mais: pelas últimas contas, a Terra tem mais de 6 bilhões de pessoas. Que todos os dias soltam pum, defecam, poluem rios, ruas, ares, mares, morros, ninguém para e pensa no planeta. E agora ben Gabav me escolhe para salvar o planeta. Eu não tenho o telefone de toda esta gente e também não falo os idiomas de todo mundo para tentar um diálogo mais franco e aberto. Ben Gabav disse outra coisa que me deixou ainda mais acabrunhado. Ele disse que a missão que me confiava, foi confiada antes a um general amigo dele, que se entusiasmou com a nova missão, porque se aposentou e precisava fazer alguma coisa. Salvar o mundo poderia ser emocionante. No entanto, duas semanas depois de aceitar o desafio, o general morreu.

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Antes de morrer, o general citou um amigo de São Paulo – empresário importante que também se preocupava com a crítica situação do planeta. Ben Gabav falou com o empresário por telefone, ele se entusiasmou, disse que ia levar as ideias para os fóruns internacionais. No entanto, dois meses depois, ele também morreu. E tudo morte natural. Por fim, ben Gabav sensibilizou um velho professor da Universidade Federal do Paraná, que também se aposentou e fazia conferências. Ele disse o nome do professor. Eu perguntei: “Ele também morreu?”. Ben Gabav disse: “Pois é, meu amigo. Ele também se foi”. Fez-se silêncio insuportável. Eu ouvia a respiração de ben Gabav. Até sua voz soar novamente, como um pedido de desculpas: “Agora é a sua vez”. Eu perguntei: “A minha vez, como?”. A voz bondosa e cansada do outro lado disse num suspiro: “Sim. Agora chegou a sua vez!”. Eu não dormi direito. Não é uma questão de superstição. É uma questão de estatística, entenderam? Se pelo menos eu fosse amigo do Clark Kent, a gente poderia trocar algumas ideias. Mas nós não somos amigos.