“Afinal de contas, a senhora sabe onde fica a entrada da gruita?”

Essa é uma das muitas histórias que aconteceram com a carteira Suzy Tinhorão em suas andanças pelas ruas do Boqueirão. Primeiro foi o cachorro que mordeu a sua perna quando ela não conhecia as manhas da profissão. Depois, foi o poste que quase caiu em sua cabeça, quando uma camioneta desgovernada invadiu a calçada e foi parada pelo poste que não aguentou o tranco e ficou parecendo um dente mole. Tudo isto sem contar as dificuldades da categoria que fez todo mundo entrar em greve por melhores condições de trabalho. Mas esta história também é muito interessante. Um dia Suzy andava pelas ruas do bairro quando um gaiato chegou e perguntou para ela: “Você que conhece as ruas do bairro, sabe se existe alguma gruta no Boqueirão?”.

A princípio Suzy achou que o gajo estava de gracinha. Que pelo fato de ela ser uma garota loira e bonita ele estava fazendo uma estranha abordagem com evidentes interesses afetivos. Mas o sujeito falava sério. Ele coçou o queixo preocupado e disse que alguém lhe perguntou: “Afinal de contas, você sabe onde fica a entrada da gruita?”. Suzy indagou: “Gruta ou gruita?”. O sujeito disse que era gruta, mas o cara falou gruita. Bem, a carteira balançou a cabeça de forma negativa e acrescentou que nunca ouviu falar na existência de uma gruta no Boqueirão, pelo menos naquela parte do bairro onde estavam. O sujeito foi embora encafifado e Suzy também não esqueceu o assunto. No final do dia ela contou para os colegas o que tinha acontecido e Marileide comentou: “Estranho, quando eu trabalhei no Pilarzinho um dia me fizeram a mesma pergunta”.

Conversando com outros colegas, Suzy descobriu que o sujeito procurando grutas pelos bairros da cidade apareceu na região do Atuba, no Portão, no Tarumã e no Uberaba. Na realidade, ela concluiu que havia alguém procurando uma gruta pela cidade. Aquilo só podia ser uma coisa, pensou a carteira: “Deve haver uma gruta nesta cidade onde está escondido um tesouro”. Esta ideia encheu a loira de certa excitação, a mesma que invade o sujeito depois que ele aposta na loteria. A frágil possibilidade de botar a mão numa tremenda bolada cria uma expectativa, uma excitação quase impossível de descrever em palavras. Uma tremenda bolada faz a vida de qualquer um mudar de patamar imediatamente.

Discretamente, sem afetar o trabalho, ela também começou a investigar se existia em algum lugar de Curitiba uma gruta misteriosa, no fundo da qual havia um tesouro. Suzy começou a pensar nisto dia e noite e em algumas noites ela sonhou com a gruta como milhares de pessoas sonham com a pessoa ideal para lhe fazer companhia por toda uma vida. Suzy estava totalmente envolvida pela ideia de um dia encontrar a gruta e o tesouro que ela abrigava, talvez depositado por bandeirantes em tempos remotos, talvez escondido pelos maragatos que invadiram a cidade no final do século 19, quem sabe foi obra de algum alemão que fugiu da caça aos nazistas ao fim da segunda grande guerra mundial. Não importava quem fosse que escondeu: o certo, ela achava, era que havia uma gruta e dentro dela um tesouro.

Uma tarde, imersa em seus pensamentos secretos de encontrar a gruta com o tesouro, ela andava pela Rua Paulo Setúbal quando um carro com um sujeito que fazia instalação de televisão a cabo parou e perguntou: “A senhora sabe onde fica a Rua Azis Surugi?”. Ela sabia, mas estava em dúvida e por isso disse não. O sujeito perguntou novamente: “E a Rua Mariópolis, a senhora sabe onde fica?”. Suzy também não se lembrava. O sujeito fez expressão séria e perguntou: “Afinal de contas, a senhora sabe onde fica a entrada da gruita?”. Suzy ficou em estado de choque e balbuciou um “não” inseguro, enquanto o sujeito arrancava e do interior do carro ela ouviu o início de uma gargalhada. Foi então que ela entendeu o enigma: o sujeito que fazia instalação de televisão a cabo, quando não ouvia a resposta esperada para a sua pergunta, ele usava o deboche. Pior que aquilo foi descobrir que não havia gruta nenhuma. E tampouco o tesouro que ela julgou existir em seu interior.