A desgraça de Efraim Kishon começou quando o chefe descobriu que ele era judeu. O chefe achava os judeus muito espertos e Kishon poderia atrapalhar seus planos de ascender na companhia. E como ele não queria passar o resto da vida vigiando os passos de Kishon para saber se estava ou não se transformando em rival, o chefe simplesmente o demitiu. Rápido, rasteiro e indolor. Sem dó nem piedade. A secretaria Bibelina Delamare foi a primeira a lamentar: “Que judiação, chefe! Ele não fez nada!”. O chefe olhou a secretária e disse: “Mas ia fazer!”. Aliás, quando viu a cara de choro da secretária o chefe teve certeza de que fez a coisa certa. Bibelina já tinha pulado de sua cama para a de Kishon. “Para quem tirou Bibelina de minha cama, tirar a minha cadeira era questão de tempo”, pensou. 

continua após a publicidade

Na realidade, o chefe não achava a perda de Bibelina um grande estrago. “Secretária gostosa eu arrumo uma por dia”, pensou. Mas um emprego bom em que fosse o chefe, aí a coisa complicava. Kishon achou estranha a demissão repentina, mas considerou que fazia parte do campeonato. Iria atrás de outro emprego. No entanto, quis saber o motivo. Afinal, pensou, poderia ter feito algo errado e gostaria de saber, até para se desculpar. Ele entrou no escritório com óculos de aro e barba bem cortada, olhou a cadeira do chefe, para evitar seus olhos, e perguntou o motivo da demissão. Quando o viu olhando para a sua cadeira, o chefe devolveu a pergunta com outra: “Por que você está olhando com esta cara para a minha cadeira?”.

Kishon disse que os seus olhos estavam apenas perdidos num ponto da cadeira. O chefe, agora ex-chefe, falou com certa fúria: “Tire os olhos da minha cadeira”. Kishon repetiu: “Por que eu estou sendo demitido? O que fiz errado?”. O chefe respondeu enigmático: “Nada. Mas ia fazer. E antes que fizesse, eu o despedi”. Kishon percebeu que não havia motivo relevante. Que foi injustiçado e naquele momento pensou que deveria arquitetar uma vingança. Algo que não fosse muito cruel, porém fosse pedagógico. Ele disse: “Tudo bem. Boa tarde”. O ex-chefe ficou furioso com a calma de Kishon. Aquilo era péssimo sinal. Ele esbravejou: “Não me deseje boa tarde!”. Kishon passou por Bibelina, deu um beijo na secretária do chefe, o chefe viu e ficou vermelho. Depois Kishon deixou o escritório.

Na calçada, Kishon viu o carro do chefe. Era um carro importado, estacionado em frente ao prédio da companhia. Kishon deu voltas e numa rua meio deserta arrancou a placa que proibia estacionar. Voltou para a rua onde estava o carro do chefe e colocou a placa num lugar visível. E foi para um bar em frente e pediu uma dose de uísque. Bebeu e pediu outra. O guarda apareceu, olhou a placa e olhou o carro e sacou o talão de multas. Kishon deixou o bar, chegou perto do guarda e perguntou: “O que você está fazendo?”. O guarda respondeu que o carro estava estacionado em lugar proibido. “Olhe a placa!”. Kishon olhou a placa. Foi lá, pegou a placa e jogou no lixo. E disse: “Se era assim, agora não precisa multar mais”.

continua após a publicidade

O guarda olhou Kishon e disse: “Vou colocar mais uma multa por desrespeito ao patrimônio público”. Kishon disse: “E seu disser que você é um idiota?”. O guarda sorriu: “Eu vou fazer outra multa por desacato à autoridade”. Kishon chegou perto do guarda e disse bem no nariz do guarda: “Sabe com quem você está falando?”. O guarda sentiu o bafo do álcool e disse: “Alcoolizado? Mais uma multa”. O guarda resolveu engrossar e pediu a carteira de habilitação. Kishon entregou. O guarda olhou e sorriu: “Vencida? Mais uma multa”. Kishon disse: “Eu vou chamar o meu tio e ele vai botar você no seu devido lugar”. Só de raiva, o guarda sapecou mais três multas e foi embora. Kishon voltou para o bar. Quando o dia acabou, o ex-chefe encontrou o carro cheio de multas. Ele pegou uma por uma. E a cada multa ia fazendo uma expressão de horror. Ele gemeu: “Mas isto é uma fortuna. O que aconteceu? Eu não fiz nada”. No bar Kishon pensou: “Eu também não fiz nada”. Ele esperou o chefe entrar no carro e sair e também foi embora. O caso estava encerrado.