A velhice de um malvado

Dona Umbelina disse que seu irmão João há algum tempo está com Alzheimer. Ele passou dos 80, mas não perdeu o sonho de ganhar na loteria. Todo mundo tem um grande sonho. O dele é ganhar na loteria. Ele joga há mais de cinquenta anos. Ganhou merreca aqui e ali, mas o grande prêmio, de estufar carteira, não caiu no colo. Pior é que ele conheceu muitos sujeitos que ganharam. Então acha que um dia será a vez dele, como se a sorte grande respeitasse fila. Se colocasse na poupança todo o dinheiro que jogou na loteria estava rico porque na época áurea do café, principalmente quando vendia safra, ele comprava filas de bilhetes da Loteria Federal que não eram premiados e então achava que na próxima vez a sorte ia sorrir para ele.

Na realidade a sorte sorriu para ele de uma forma meio enviesada. Ele surrupiou as propriedades paternas e deixou o velho pai morrer à míngua. Uns vão dizer que ele foi malvado. O que é correto. Mas alguns malvados vão dizer que ele teve sorte, porque nem todo malvado consegue passar a perna no pai ou em alguém que vacilou para ficar com um bom patrimônio. João, ainda assim, com mais 80, espera a grana gorda. Agora ele encontrou alguns inimigos. São ladrões de rua. Que sabem que ele é velho e sempre tem trocados para jogar na loteria e correm atrás dele. João olha assustado quando vê alguém suspeito e sai correndo antes de os caras botarem a mão na grana dele. Quando isto acontece ele fica assustado em casa por dois ou três dias e depois volta para a rua, para ir ao centro da cidade fazer aposta na loteria.

Não é fácil ser velho, ainda que malvado, porque o mundo está cheio de malvados jovens. E como eles não têm pai para surrupiar os bens, eles avançam sobre o primeiro velhinho que encontram. Roubar velho é moleza. É só dar um empurrão e tomar a bolsa ou enfiar a mão no bolso que eles perdem o equilíbrio e caem. Além disso, eles não têm força para reagir. Se o ataque é feito por mais de duas pessoas, é mole. Mole mesmo. Agora João pegou a mania de falar frases estranhas e misteriosas: “Nem todos os canários são ouvidos pelas multidões”. Ninguém sabe o que ele quer dizer com isto. Mas ninguém se preocupa porque ninguém está interessado em suas frases enigmáticas. Afinal de contas ele é um velho malvado que está com Alzheimer. E que não demora muito não estará mais aqui.