Segunda-feira foi um dia daqueles. Primeiro a informação da morte de Eduardo Galeano o mais latino-americano de todos os uruguaios ou o mais uruguaio de todos os latino-americanos. Galeano era cara tão bacana que todos os adjetivos caíam nele como uma luva: o mais brasileiro dos uruguaios e assim por diante. Gostava de literatura e futebol. Pode ter existido alguém que amasse mais a América Latina que ele, mas ninguém soube escrever melhor sobre isso. Morreu segunda-feira, dia 13, em Montevidéu, aos 74 anos. Comentei com um amigo que fiquei triste. Ele disse: “Mas ele já estava com 74 anos!”. Um cara como Galeano não devia morrer. Devia ficar por aí fazendo declarações de amor para a humanidade.

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Outro que bateu as botas foi Günter Grass, escritor alemão que tem trema no u. Ele morreu em Lübeck, cidade alemã que também tem trema no u. Eu aprendi alemão no final dos anos 80, mas me esqueci de tudo até o final dos anos 90 por falta de prática. Não tinha com quem falar alemão em Maringá e depois Londrina. E o alemão foi embora. Até hoje eu não sei bem onde se coloca os tremas. Grass estava com 87 anos. Era talvez o meu escritor alemão favorito. Era escultor e pintor. Pintava aquarelas bonitas. E fumava cachimbo e tinha cara de quem olhava pra gente com falsa paciência, pronto para explodir numa baforada fumarenta. Outra coisa: ele não tinha cara de alemão. Eu achava Grass com cara de boliviano. Ele tinha mais cara de peruano, por exemplo, que Mario Vargas Llosa.

Mas Grass era tão polêmico quanto Llosa. Ele nasceu numa cidade da Pomerânia chamada Dantzig, que fica na foz do Vístula, que era alemã e virou polonesa. Hoje se chama Gdansk. Tem acento agudo no n. Sinceramente não sei para que acento agudo no n. Grass contou em sua autobiografia que no final da guerra foi chamado para servir na tropa de elite alemã. Caíram de pau nele. Acharam que escondeu o fato por muito tempo. Foi um perereco. Mas o cara tinha dezessete anos, não vejo como podia escapar dessa. Mas não foi a única polêmica em que ele se meteu na vida. Teve outras. Ele criticou Israel por possuir arsenal nuclear. Seu livro “O Tambor” é bacana. E Grass foi Prêmio Nobel de Literatura, o que não significa muito porque escritores bons não o receberam e medíocres ganharam. Embora neste caso o vice também versa.

Fiquei sabendo na segunda-feira da morte de Paulo Brossard. Estava com 90 anos. Hoje é difícil explicar Brossard para as novas gerações. Brossard era de uma época em que pertencer ao MDB era coisa de comunista. Em que ser democrata era coisa do demônio. Ele foi senador e depois ministro da Justiça. Mas recordo que ele foi importante nos anos 70, quando o Brasil estava sob a ditadura militar e poucos podiam falar contra o governo – esta liberdade de ir às ruas e falar o que pensa, como ocorre hoje, era um sonho distante. Naqueles tempos bicudos havia poucos homens como Paulo Brossard.

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E para completar, à noite eu soube da morte de Policarpo Reis, que tem este nome porque o pai era leitor doente de Lima Barreto, que escreveu um livro interessante e pouco conhecido hoje em dia chamado “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”. O curioso é que Policarpo foi um sujeito com quem conversei muitas vezes sobre os três primeiros personagens acima. Policarpo era típico intelectual dos anos 70. Como era uma época de pouca informação, os jovens dependiam de pessoas como ele que tiveram tempo e oportunidade nos anos 60 de formar cultura literária e política e mostrar para os novos o caminho das pedras. O mais estranho foi que eu tinha visto Policarpo Reis passar na minha frente no ponto de ônibus na Avenida Marechal Floriano no fim da tarde de sexta-feira. Ele passou de cabeça baixa, usava chapéu e bolsa a tiracolo. Parecia bem de saúde. Ele não me viu e eu não o chamei por dois motivos: primeiro porque o Água Verde-Abranches estava chegando e se o perdesse, ia ter que esperar bom tempo pelo próximo ônibus. E, depois, porque Policarpo Reis estava imerso em seus pensamentos e não quis incomodá-lo. Foi a última vez que o vi. E foi a primeira vez que eu o vi de chapéu. Que coisa!