A triste história de dois amigos que mataram por amor

Toda família tem histórias malucas. A minha tem um excedente de histórias, algumas malucas e outras não. De pequeno eu apreciei histórias que minha avó contava à beira do fogão a lenha, no inverno, onde a família se reunia porque a casa era de madeira, o vento frio passava pelas frestas e a gente tinha que se esquentar em algum lugar. Era em cima e ao redor do fogão a lenha que ficava apinhado de gente como trens indianos que vão para uma cidade santa levando centenas de romeiros. E ali minha avó passava horas contando histórias. No entanto, as histórias dela eram bacanas. Meu avô quase sempre não abria a boca. Mas quando abria para contar uma história, geralmente era maluca. Pior que as histórias dele eram como as fábulas de Esopo ou de Jean de La Fontaine: tinham moral. Que sempre vinha meio manca. Mas não deixava de ser narrativa moralista. Como a história dos dois amigos que mataram por amor.

O meu avô me contou a história num dia de 1964 quando eu cheguei em casa chorando porque com doze anos eu me apaixonei por uma menina de minha idade que se mudou para Paranavaí. Eu nunca mais iria vê-la e perdi o interesse em viver. Eu queria morrer. Meu avô disse para eu largar de ser besta que não se morre e nem se mata por amor. E contou a história ocorrida na cidade de Pompeia, nos anos 40. Aliás, a cidade fica no interior de São Paulo e tem este nome não por causa da cidade italiana destruída pelo Vesúvio, mas em homenagem à mulher do senador Rodolfo Miranda, cujo nome era Aretuza Pompeia da Rocha Miranda. A história de meu avô era a seguinte: dois amigos chamados Higilberto Couto da Silva e Jair Basílio Olinto Guimarães eram inseparáveis. Tipo carne e unha.

Higilberto tinha um belo cavalo, um gato e um papagaio. Jair Basílio tinha uma vaca, um cachorro e uma leitoa. Os dois jogavam no time do Pompeia, onde meu tio Juvenal atuou como center forward e outro amigo dos três, Cleber Feitosa era o goal keeper. Todos viviam em harmonia e todos os domingos jogavam futebol, depois de irem à missa. Meu tio andava radiante porque um sujeito disse que jogando daquele jeito ele ia levá-lo para fazer teste no São Paulo Railway Athletic Club da capital. Foi então que apareceu a figura vaporosa e insinuante de Semirâmis Padilha Hellwinkel, loira linda e fatal. Higilberto se apaixonou à primeira vista e Jair Basílio na sequência. Semirâmis fez charme para os dois que viraram inimigos mortais, um querendo matar o outro pelo amor da bela dona. Como não conseguia, Higilberto matou a vaca de Jair Basílio, que se vingou matando o cavalo do amigo.

Meu avô tentou apaziguar e foi ameaçado de morte. Jair Basílio matou o gato de Higilberto que se vingou matando o cachorro do agora ex-amigo. Não é preciso dizer que as próximas vítimas foram o papagaio e a leitoa. No caso da vaca e da leitoa, o prejuízo não foi grande, porque a carne foi vendida no açougue do Sebastião Werneck da Rocha, em Marília. Mas o cachorro teve perda total porque não havia coreano na região. O conflito preocupou meu tio Juvenal por causa do teste na capital e sem contar que o time do Pompeia, desfalcado de dois de seus melhores players, começou a perder para adversários de menor envergadura futebolística. Quando meu tio tentou chamar Higilberto à razão foi escorraçado na base de tiros de garrucha de dois canos.

O próximo capítulo seria a eliminação física de Higilberto ou de Jair Basílio, naturalmente ficaria vivo quem fosse mais rápido no gatilho. Mas isto não aconteceu. Semirâmis Padilha fugiu com Cleber Feitosa, deixando os dois contedores com caras de tacho, agora sem cavalo, sem vaca, sem gato, sem cachorro, sem papagaio e sem leitoa. Os dois finalmente abriram os olhos e meu avô disse solene para que aprendessem de uma vez por todas: “Não se mata e não se morre por amor. Não se mata nem leitoa e muito menos papagaio”. O mais triste foi que o time do Pompeia acabou e o meu tio Juvenal não fez teste no São Paulo Railway Athletic Club. Como não podia mais ser um futebolista de estirpe, ele se casou com minha tia Alice que por sinal era bonitona. E foi assim que sobrevivi à minha primeira decepção amorosa.