Estava faceiro ontem de manhã porque comprei no sebo do Paulo uma velha edição dos anos 60 de A Gazeta Esportiva Ilustrada, que fiquei namorando com saudade da aurora de minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais. Enquanto estava envolvido nesta atmosfera onírica, o meu amigo Juarez Grotowski me aparece de súbito e diz: “Pode namorar à vontade a revista. Aí está o futebol dos bons tempos. E os bons tempos não voltam mais. O futebol brasileiro acabou”. Eu não entendo como pode uma coisa desta, embora o nome seja polonês, Grotowski tem sotaque nordestino e compreensíveis feições de pernambucano porque nasceu em Caruaru. Tudo bem. Não vou me aprofundar nisso.

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 Assim como não vou me deter no trauma que tenho com a Gazeta Esportiva Ilustrada, revista que colecionei nos anos 60 e que minha avó jogou tudo numa fossa sanitária quando reprovei na primeira série do ginásio, alegando que “aquela porcaria estava desviando a atenção dos estudos”. Foi um golpe. O importante é o foco na frase de Grotowski. Eu acho que ele tem razão. O Brasil vive um paroxismo no futebol. Temos belos estádios, mas não temos futebol. O nosso futebol acabou. Mas se consolo vale a penas, o fenômeno, não é local. É uma praga que atinge todo o futebol latino-americano. Tudo que é gringo que dá duas gingas e um chute pensa em faturar um alto troco na Europa, Japão ou até China e nas Arábias. 

 Não é possível ter futebol de categoria por aqui se nossos talentos e até os cabeças-de-bagre com esquema são vendidos no exterior, quiçá quando ainda estão chutando no útero de suas mães. E com o nível de corrupção deslavada que existe nas entidades dominantes, como confederação e federações, sem contar interesses de empresários e outras aves de rapina, a coisa desandou. Estamos condenados a ter futebol de segunda classe na primeira divisão. Futebol atual cuja principal função é servir de laboratório para eventuais futuros bons jogadores se exercitarem até a primeira oferta do exterior. E quando ela aparece para gozo eterno de empresários e uma rede de interessados nestas chamadas “joias raras”, o público brasileiro que se dane.

 Hoje qualquer time montado em Massaranduba, Santa Catarina, peita e humilha qualquer tradicional da Gávea ou do Morumbi. Não existem mais os grandes espetáculos. O que existe agora são grandes vexames. Para o torcedor sobra o resto do banquete, espetáculos medíocres com jogadores ruins, que não conseguem acertar um chute a três metros do goleiro – a bola sempre vai fora. E se os times estivessem ricos, tudo bem! Mas eles são mal administrados e estão endividados até o pescoço. Ou seja, toda a dinheirama que o futebol brasileiro proporciona enriquece uns poucos e empobrece o esporte como um todo. Aonde vai parar este frenesi eu não tenho a menor ideia. Claro que para bons jogadores, o nível de remuneração e de salários praticado com estes negócios do estrangeiro não deixa de ser uma precoce independência financeira, que atinge inclusive jogadores cujos talentos, posteriormente, se percebem devidamente superestimados.

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 Mas não é disso que estamos falando. Estamos falando do doce hábito de nos fins de semana ver os nossos times jogarem com uma qualidade entre razoável e excelente e ter que acostumar a ver, há anos, partidas entre deprimentes e razoáveis. O futebol brasileiro, Grotowski tem razão, vive a Síndrome de Eike Batista, o bilionário que em poucos meses decaiu de grande fortuna do mundo para ser classe média banal – quer dizer, ele ainda tem muito mais grana, mas não é mais o bacana que foi. Sem contar que vai enfrentar processos. Até a cara dele tá de classe média. Amarrotada. Ele disse que está assustado e com medo: “Voltar à classe média é um baque gigantesco”, como se tivesse sido rebaixado da Séria A, para a Série Z. É baque gigantesco, assim como é baque gigantesco pegar um exemplar antigo da Gazeta Esportiva Ilustrada e ver o tamanho da queda de nível dos jogadores brasileiros dos anos 50, 60, 70, 80 e até um pedaço dos anos 90 para o,s atuais. É de apavorar.