A rotina da bela viúva do marinheiro Pepo Jurado

Georgina conservava traços de quem foi bonita na juventude. Ela perguntou se o Velho Barreiro em suas mãos era a autêntica cachaça brasileira. Nós estávamos no mercado Ta-Ta, na Calle 18 de Júlio, por volta das 22 horas. Eu disse sim. Podia não ser a melhor, mas era uma pinga tradicional. Georgina aparentava mais de 60 anos e por isto eu sugeri: “Se a senhora acrescentar algumas rodelas de limão e um pouco de açúcar, terá o mais autêntico ponche brasileiro chamado caipirinha”. Eu disse num excêntrico portunhol entendido pela senhora que nem me esperou terminar a frase para arrematar: “Eu não quero caipirinha. Eu quero caña pura”.

Eu fiquei perplexo com a resposta porque não deixava dúvida: ela queria tomar pinga sem nenhum ingrediente. Aqui é necessária uma observação: há no Uruguai uma variedade da pinga brasileira chamada cachaza, cujo gosto e efeito não eram do agrado de Georgina. Ela se afastou satisfeita e foi então que percebi J. Bressan próximo. Ele chegou sorrateiro enquanto eu falava com Georgina. Bressan tinha expressão incrédula. Assim que Georgina sumiu entre as gondolas, balbuciou: “Inacreditável. Uma senhora tão distinta e bonita e tão cachaceira”. A cena aconteceu no primeiro dia em Montevidéu. E voltamos a encontrar Georgina em outras duas ocasiões. A primeira na Calle Andes. Nós caminhávamos na mesma calçada e ela vinha em nossa direção arrastando um carrinho de supermercado.

Eu estava fascinado com a cena que vira antes: os carros pararam num cruzamento para dar preferência a uma carroça com quatro pneumáticos, arrastada por um garboso e forte cavalo branco. Era o tipo de cena que só vi em alguns filmes. A carroça ocupava a parte central da rua em direção, provavelmente, ao porto. Era uma conjectura. Então Georgina passou por nós, não sei se nos reconheceu, mas foi gentil em avisar Bressan: “Tome cuidado com a máquina. Podem roubar!”. Eu presumi que assaltos não eram comuns na área. Mas nas proximidades do porto poderiam ocorrer, pois se trata de zona de pouco movimento de pedestres. Uma abordagem por alguns gatunos, e eles existem em todas as partes, certamente não seria impedida por ninguém porque não havia ninguém por perto.

Depois deste aviso, Bressan escondeu a máquina sob a blusa nas cores preta e laranja. A precaução criou um problema: a máquina produzia volume misterioso e quando entravávamos numa loja ou em bistrô, as pessoas nos olhavam desconfiadas. Eu percebi os olhares fugazes, mas não estabeleci relação com a máquina escondida sob a blusa Fomos descobrir numa loja em que um vendedor educado disse: “O senhor não pode entrar armado na loja!”. Bressan tirou a máquina e todos riram. A partir de então, ele deixou a máquina no hotel. A terceira vez que vimos Georgina foi quando ela entrou durante o dia no night club Princesa. Estávamos conversando com El Dueño do Gran Ritz Hotel e ele contou que a mãe de Georgina era uma velha marafona que morava nos fundos do estabelecimento e Georgina levava comida para a mãe.

El Dueño contou que Georgina foi uma garota de rara beleza nos anos 60, que usava vestido branco e gostava de andar pelo porto. Um dia ela se apaixonou por um marinheiro espanhol chamado Pepo Jurado, com quem casou em 1971. Pepo Jurado morreu em 1999 e deixou bens para a viúva. No entanto ela não tinha idade para usufruí-los. “Georgina faz compras no mercado à noite, visita a mãe durante o dia e quando se sente só, tenta a sorte nos caça-níqueis do cassino. O gerente do cassino não gosta de Georgina porque ela ganha com frequência”, disse El Dueño. Esta sorte tardia, no entanto, não fez dela uma mulher feliz. “Ela costuma dizer que uma mulher precisa de sorte quando jovem. Depois, precisa de saúde e o suficiente para viver até a morte”, disse. Eu achei a sentença fatalista. El Dueño disse que a única coisa que dá um pouco de felicidade à viúva de Pepo Jurado é a cachaça brasileira. “Eu suspeito que ela quiere morir borracha”, disse ele. Naquela noite eu dormi sonhando com Georgina jovem andando descalça a beira do mar.