No final da tarde de sexta-feira, eu deixei a galeria do Edifício Asa, na Praça Osório, onde fui comprar passagens na agência da Viação Garcia para Mandaguari, quando, abruptamente, me vi no meio de um turbilhão sonoro, que mais parecia a peleja de dois repentistas numa feira de Caruaru. Um sujeito me informou que se tratava de um duelo verbal entre os contendores Raimundo Nonato, de quase 70 anos, e Aparício Medonho, beirando os 50 anos, ambos com notória atuação no ramo de flanelinhas nos arredores daquela área do centro da cidade. As pessoas ficavam assustadas com a violência verbal, temerosas de aquilo desembocar numa autêntica demonstração de pugilismo de rua, coisa atualmente pouco comum na cena curitibana.

continua após a publicidade

O centro da discórdia era o controle da área em um pequeno trecho próximo da Praça Osório para explorar a cobrança compulsória pelo estacionamento de veículos automotores em área pública, prática que virou praga nacional, à qual alguns motoristas sucumbem temerosos de verem seus carros riscados e outros simplesmente ignoram, embora corram riscos de ouvir impropérios e ofensas verbais contra a honra. Raimundo, o velho, estava bravo. Acontece que ele se ausentou por alguns minutos para ir a um banheiro fazer o que ele denominou de “um ato de micção e necessidades defecatórias” e ao retornar ele encontrou Aparício Medonho que apareceu não se sabe de onde e já estava em pleno controle da cobrança de colaborações de motoristas que tiravam os carros das vagas na rua, além de avisar os que estacionavam de que ele estava ali na parada, para dar aos veículos uma proteção segura contra eventuais amigos do alheio.

Ou seja, estava explorando um comércio ilegal numa propriedade pública construída com dinheiro do contribuinte que, no entanto, era monopólio de Raimundo Nonato já há alguns anos. A prática é antiga e análoga a de empresas concessionárias do pedágio no Paraná, com a sutil diferença de que estas se protegem escudando suas atividades consideradas escorchantes pelo cidadão comum, em elaborados e resistentes contratos jurídicos que as deixam terrivelmente blindadas. Raimundo berrava: “Intruso insolente! Onde estamos que não podemos fechar os olhos nem por um momento para o solene ato de evaquação privada?”. Pergunta que Aparício respondeu com um “foi para Portugal, perdeu o lugal”.

Na realidade o correto era lugar, mas Aparício achou que funcionava melhor forçar a rima para não o julgarem ignorante em matéria de liberdade poética. Em poucos minutos as rimas e a poética deram lugares para ofensas diretas do tipo “vagabundo”, “imprestável” e “sem vergonha”, feitas por Nonato, devidamente respondidas por Medonho com “velho abusado”, “folgado” e “safado”. A impressão era a de que as palavras seriam aposentadas para em seu lugar ambos mostrarem que também sabiam usar os punhos, num real confronto de pugilismo de rua, fato que não acontecia pois ambos estavam em dúvida quanto às reais chances de êxito de cada um. Como não admitiam isto, Nonato disse que “só não enfio a mão na tua cara porque não me rebaixo a tanto” e Medonho contra argumentava que “não faço isto porque não bato em velho da tua idade”.

continua após a publicidade

Como o estoque de imprecações estava se esgotando rapidamente e ambos embora ficassem naquele “vai e vem”, mas no fundo ninguém ia, as pessoas perderam o interesse e deixaram de presenciar a muvuca, o que contribuiu sobremaneira para arrefecer o seu ímpeto. E assim, como não era mesmo o “dono” da área para efeitos de cobrança de estacionamento de cidadãos proprietários de veículos automotores em vias públicas, sem o devido consentimento da autoridade municipal, Medonho saudou Nonato com um “vai de te ferrar velho imbecil”, e foi embora. E Nonato resmungou que “de agora em diante eu não vou mais ir ao banheiro enquanto estiver no expediente”. Sim, meus caros leitores, o mercado de trabalho está competitivo até para atividades não regulamentadas e ilícitas do ponto de vista do ordenamento jurídico atual.<,/p>