Uma das coisas fantásticas dos sonhos é que eles não permitem contestações. Como alguém vai contestar uma coisa que ninguém sabe como surgiu e que por natureza pode ser o que quiser, como num mundo mágico? Os sonhos têm liberdade para subverter qualquer lógica e se desenvolverem da forma que bem entenderem. Este o seu fascínio. Mas não são poucas as vezes que eles inquietam. Talvez por serem imprevisíveis, surpreendentes e irreais.
Por isso, desde a remota antiguidade, o homem procura encontrar significado para os sonhos. A Bíblia está repleta de passagens oníricas, assim como várias obras da Grécia antiga. Ainda hoje têm ciganas e madames que por alguns trocados são capazes de encontrar sentidos e definições para os sonhos mais bizarros. Até o Sr. Sigmund Freud andou fascinado com os sonhos e desandou a tentar interpretá-los. Eu fico apenas espantado com eles.
Numa noite quente eu levantei várias vezes para tomar água e toda vez que voltava a dormir tinha sonhos. No último eu era aluno de Jean-Paul Sartre. Aí começa a independência do sonho de apresentar uma “realidade” do jeito que bem entende. Eu não era jovem, não era aluno formal e trocava ideias com Sartre para entender o significado de suas obras. Ele explicava paciente.
“Jean-Paul, um de seus livros admiráveis é aquele em você descreve o nascimento de seu interesse pela leitura e narra os seus primeiros anos de vida”, comecei a falar. Sartre me interrompeu em português e com sotaque italiano: “Você está falando de As Palavras. O que tem ele?”. Sartre era jovem, alto, não era vesgo, não usava óculos, não fumava cachimbo e usava sobretudo cinza. Tinha cara de Ugo Tognazzi, que embora fosse ator e galã, não se parecia com o filósofo e escritor francês. Se pelo menos fosse o Peter Falk com seu olho de vidro, fazia algum sentido.
De qualquer forma, Sartre era atencioso e respondia com naturalidade. Aí tem uma coisa comum aos sonhos. Embora eu lembre especialmente desta pergunta e resposta, estava claro que tinha feito várias perguntas, especialmente sobre “O Ser e o Nada”, do qual não entendi nada. Sartre, como professor em aula, respondia. E de repente sai do sonho, Sartre sumiu e acordei espantado, não querendo entender o significado daquilo, mas admirado com a “cena” insólita. No dia anterior não li nada de Sartre, embora seja autor por quem tenho apreço. Foi, como se diz por aí, apenas um sonho.