J. Bressan foi a Rivera em 2008 buscar um Citroen 1951, cor preta, duas portas, que ainda rodava, para ser restaurado. Ele convidou Juan Carlos Redondo, que morou na Argentina e falava espanhol. Redondo não serviu para nada. Eles deixaram Rivera e entraram no Brasil por Santana do Livramento. Na volta com o carro se arrastando pela estrada, quando os dois atravessaram a fronteira, a polícia não se intrometeu e a fiscalização não fez perguntas. Atravessaram o interior do Rio Grande do Sul e já estavam dando a viagem como bem sucedida quando aconteceu aquilo. Perto de Brusque, por volta das oito horas da noite, caiu o maior temporal e o velho Citroen na estrada, apesar da boa estabilidade, se assemelhava a folha seca num vendaval.

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Até aí tudo bem. O diacho foi neste momento Bressan descobrir algo que não sabia: Redondo era um covarde. Ele disse que aquilo não era chuva, era diluvio e que conheceu casos de acidentes com morte por imprudência de motoristas sob a chuva forte. Falou em hidroplanagem, falta de visibilidade, deslizamentos e se revelou um grande especialista em tragédias rodoviárias no meio da chuva. Aquilo deixou Bressan com os nervos à flor da pele, porque além de tomar cuidado com o Citroen, ele tinha que prestar atenção na estrada. Até Redondo finalmente dizer claramente o que passava em seu íntimo: “A gente vai morrer na estrada se continuar no meio deste diluvio. Acho bom você parar por aqui”.

Bressan ficou furioso: “E você vai borrar a calça se eu não parar na primeira pousada que aparecer”. E disse mais: “Eu vou parar para você não sujar o carro”. Redondo se sentiu humilhado, mas ele tinha uma teoria: mais vale um humilhado vivo que um orgulhoso morto. Redondo ficou de olho na estrada. Até que em três quilômetros adiante surgiu uma “pousada”. Redondo conseguiu ler a placa no meio do temporal: “Ali tem um hotel!”. A placa era de hotel, mas aquilo não era hotel. Bressan parou o Citroen embaixo de uma árvore, mais por amor ao carro do que em respeito a Redondo. Os dois correram para o hotel e bateram na porta. Alguns minutos depois uma velha de camisola, touca na cabeça e vela na mão apareceu.

A velha era banguela, provavelmente usava dentadura, mas não teve tempo de colocar para atender a porta. Ela perguntou: “O que vocês querem?”. Bressan respondeu: “Fazer sexo com a senhora?”. A velha se assustou: “O quê?”. Redondo disse para ela não dar atenção ao amigo que ele estava nervoso por causa da chuva. E informou que os dois queriam quarto para dormir. A velha abriu passagem e disse que cobrava dez reais por cabeça com direito ao café da manhã. Bressan ia dizer não, mas Redondo disse tudo bem e falou que pagava a conta. O quarto ficava no sótão que ele chamava de primeiro andar. Bressan perguntou se o banheiro tinha água quente. Ninguém respondeu. Bressan perguntou de novo se o banheiro tinha água quente. A velha disse que a água era mais quente que a torneira de um vulcão.

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Bressan ia dizer que vulcão não tinha torneira, mas achou que não valia a pena fazer observação sensata numa noite insensata. Eles subiram as escadas e elas rangeram. No primeiro andar, Bressan viu a porta semiaberta de um quarto e um sujeito ajoelhado no chão lendo a Bíblia. Havia vela em cima do guarda-roupa que iluminava o interior do quarto. Bressan pensou: “Isto aqui não é maneiro!” Ele perdeu a vontade de tomar banho e também de dormir. Durante a noite, as escadas rangiam, como se um monte de gente descia e subia por elas. O paradoxal foi o covarde Redondo dormir tranquilo sem ouvir as escadas rangerem e Bressan passar a noite em claro. No dia seguinte, Bressan estava com os olhos vermelhos de sono. Na cozinha, arregalou os olhos vermelhos quando viu duas mulheres com a mesma cara da dona da pousada. Ela disse que a outra era irmã gêmea. A manhã estava bonita e o Citroen esperava. Bressan disse para Redondo: “Eu não vou tomar café da manhã e não vou esperar”. Redondo tentou protestar, mas não teve tempo. Ele pagou a conta e foi amuado para o carro. Na viagem não abriu o bico.