As três mulheres conversavam em espanhol na mesa ao lado. Duas idosas distintas e outra jovem, de quarenta anos. As idosas terminaram o café da manhã e subiram para o quarto. A outra continuou beliscando pedaços de queijo que comia com suco de laranja. Eu suspeitei que ela prestava atenção em nossa conversa. Bambu não tinha olhos para as mulheres porque viu na rua um velho Land Rover. E só pensava nele: “Se acho uma sucata de Land Rover por aqui eu compro e deixo novinho em folha”. Eu não duvidei. Para quem restaurou uma Pata Choca, Land Rover era fichinha. A paixão pelo Land Rover falou mais alto. Bambu se levantou e foi para a rua esperar o dono para conversar com ele, embora não fale meia frase em espanhol.

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Eu fiquei olhando-o se afastar. O sujeito pode ir de um país para outro, mas não deixa de ser o que é. No caso de Bambu, um jipeiro incorrigível. Eu não percebi alguém ao meu lado: “Posso sentar?”. Era a mulher da outra mesa, a mais jovem e ela perguntou em português. Ela sentou e quis saber de onde eu era. “De Curitiba”, disse. Ela falou que suspeitava, porque ouviu Bambu falar em Juvevê. Ela quis saber quem era Bambu e disse que era meu filho mais velho, que tive com uma namorada dinamarquesa na juventude. A namorada dinamarquesa ficou por conta da vontade que tive na juventude de namorar uma dinamarquesa, embora uma norueguesa também fosse bem-vinda. E menti porque se dissesse que era um amigo ela poderia achar estranho.

Ela suspirou e disse: “Paixões da juventude são sempre arrebatadoras e imprevisíveis”. Eu disse que ela tinha razão. “Meu nome é Assussena Proença Shulster”, disse. Eu falei que meu nome era comum: “Edilson Pereira, nome de juiz ladrão”. Corrigi para não criar caso: “Juiz de futebol, claro!”. Ela disse algo que me surpreendeu: que era de Guaratuba. Eu a achei muito elegante e formal para ser de um lugar em que as pessoas são despojadas e informais. Eu perguntei como foi parar em Montevidéu. Ela respondeu: “Uma arrebatadora paixão da juventude!”. O rosto ficou tenso e ela disse que ele era padre. Eu comentei: “Alguns padres são bacanas e ajudam as pessoas. Mas tem outros que são sedutores”.

“Esta foi boa”, disse, acrescentando que conheceu o segundo tipo. Eu não achei tão boa assim e fiquei calado. Ela disse: “Este padre me seduziu”. Eu pensei com meus botões que existem padres sedutores e entre estes existem alguns que tem bom gosto. Mas fiquei mais uma vez calado para não falar bobagem. Como estava com expressão patética, ela disse: “Ele se apaixonou também, claro! E como tinha um amigo em Montevidéu, arquitetou morar aqui. Primeiro eu vim. Depois viria ele”. Fiquei pensando: “Padre Shulster, seu sacana, pegou tremendo filé!”. Mas perguntei: “E aí vocês vieram para cá e foram felizes para sempre”. Ela balançou a cabeça negativamente. “O superior de padre Marcelino o convenceu de que ele tinha uma carreira brilhante pela frente para trocar por uma moça simplória, como eu era”, disse.

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Eu pensei: “Que filho da mãe!”. Eu quis saber o que aconteceu em seguida. Ela disse que veio para a casa do amigo do padre Marcelino, um senhor de cinquenta anos, viúvo e muito generoso. Eu não precisava ser muito esperto para indagar: “O Sr. Shulster! Você acabou se casando com ele!”. Ela disse: “Exatamente!”. O Sr. Shulster morreu, Assussena virou bela e respeitável viúva, sem pressa para se enroscar com outro homem porque sua situação financeira era estável. Claro que minha vaidade me levou a indagar com meus botões se ela não teve pelo menos uma ligeira queda por seu interlocutor. Bobagem. Ela estava apenas curiosa. “E como está Guaratuba?”. Eu respondi que estava bonita e de uns anos para cá até melhorou. Mas no verão fica insuportável. Ela suspirou e disse: “Às vezes eu tenho saudades!”. Ela sorriu e se levantou e foi embora. Bambu chegou quando ela se afastava. Chegou e disse: “Não posso deixar você sozinho que fica paquerando estas velhas assanhadas!”. Eu disse que não era assanhada. Eu disse que era Assussena. Ele não entendeu nada.