A misteriosa senhorita que seduziu o Sr. Solitário

O solitário Arkady Timoshenko não lembra com exatidão quando foi a primeira vez em que a viu no ponto da Mateus Leme, no São Lourenço. Mas recorda como foi. Era perto das 9 horas, ele estava apressado e ansioso esperando ônibus e ela veio lenta e sinuosa no horizonte, sem se preocupar se o ônibus demorava ou não. Era impossível não olhar. Era alta, esguia e de andar ondulante. Timoshenko ficou encantado quando a viu a menos de dez metros: “É cara e corpo de Claudia Cardinale”. Ainda mais que ele era fascinado por Claudia Cardinale. Ela usava fina blusa bege de lã, calça negra e botas pretas. Tinha cabelos escuros longos, lábios carnudos e seios pequenos. As ancas eram grandes, mas harmônicas, porque a dona era alta. Ela olhava discreta para o chão, como evitasse olhares que gravitavam ao redor.

Ela se aproximou, disse bom dia e esperou o ônibus. Ele olhou para o horizonte ver o amarelão aparecer, mas o canto do olho conferia a garota. A ansiedade de Timoshenko foi para o ralo. Ele pensava nela. Quando o ônibus chegou, deu vez, ela subiu e para não dar impressão de inconveniente, ele a deixou passar pela catraca e sentou no banco atrás do motorista. Era o único jeito de não olhar a mulher. Quando desceu no último ponto da Rua Barão do Cerro Azul, a uma quadra da catedral, ela também desceu e foi flutuante à sua frente. Os dois pararam na esquina, esperando o sinal verde. Ela atravessou a rua e desceu pela Moreira Garcez; ele foi em frente em direção da Praça Tiradentes, para alcançar a Galeria Ritz.

Na Tiradentes, não pode evitar os distribuidores de panfletos. Os de sempre. Pequenos panfletos oferecendo garotas de programa a 30 reais, com direito a cerveja de brinde. Atendimento 24 horas, aceitam-se cartões. Vários números de telefone. Fotos de garotas lindas. Naturalmente o sujeito tinha que ser otário para acreditar que uma vez na espelunca em que estas garotas atendiam os clientes, ia encontrar uma garota daquelas do panfleto. Ele continuou pensando nas garotas para não pensar em Claudia Cardinale. Esperava não vê-la mais. Quando voltou para casa no fim do dia, não lembrava mais da garota. Esta é uma das poucas virtudes de um dia cansativo: ele não deixa espaço na cabeça para devaneios e divagações sem utilidade. Além disso, ao fim do dia, o corpo pede comida quente, bom banho e noite de sono.

Na manhã seguinte, Timoshenko não lembrava mais de Claudia Cardinale. E nos dias seguinte não pensou nela. Algum tempo depois ele se levantou de manhã, tomou café, lavou a louça em cima da pia e mais uma vez pegou a pequena mala preta. Antes de sair, olhou pela janela. Parecia manhã fria. Colocou blusa negra de lã e foi para o ponto na Mateus Leme. Ele chegou e não havia ninguém. Em poucos minutos um amarelão ia aparecer. Antes de aparecer, ela surgiu de novo. Agora de blusa verde, calça preta e bota preta. Ela se aproximou e disse: “Bom dia!”. De certa forma, não eram mais desconhecidos. Ele respondeu: “Bom dia”. E acrescentou: “Acordei cedo e estava frio. Agora o sol saiu e faz calor”. Ela disse que também acordou cedo e colocou blusa de lã e agora sentia calor. Ele comentou que os ônibus na Mateus Leme não são como os da Anita Garibaldi, que passam em espaços intercalados de tempo. Na Mateus Leme passam sempre ao mesmo tempo: “Perdeu um, perdeu todos”.

Ela disse: “Eu morava no Abranches e agora moro aqui perto”. Tinha voz aveludada. O Vila Suíça apareceu. Ele fez gesto para ela entrar primeiro. Ela entrou e ele sentou distante para não dar impressão de intrometido. No fim da viagem, tudo se repetiu. Ela desceu por uma rua e ele foi para a Praça Tiradentes. De novo os pequenos panfletos. Ele pegou um, dois, três. Quando chegou ao escritório ele leu, sorriu, balançou a cabeça e disse: “Vou ligar para um número destes. Quero ver o que esta safadinha vai dizer”. Ele ligou. A voz do outro lado disse: “Oi, querido. Eu estava esperando você ligar. Você não quer vir aqui? Venha amor, você não vai se arrepender”. Ele suou frio. E perdeu a fala. Ele nunca iria esquecer a voz aveludada. A voz da Claudia Cardinale do Abranches.