A maldição do salto agulha

Mirtes pegou o par de sapatos pretos de salto alto. Hernani olhou e disse: “Não diga que vai usar este salto agulha de novo?”. Ela enfureceu. Sempre achou que ele invocava com o salto agulha por ciúmes. Ela ficava de bumbum empinado e os homens não tiravam o olho. Ela respondeu: “Vou. Qual é o problema?”. Ele sentiu o clima pesado, recuou e disse: “Bom, você é quem sabe. Você conhece a maldição do salto agulha”. Aquilo não foi bem digerido por Mirtes: “Agora vai ficar de mau agouro com o meu salto agulha?”. Ele disse que não era agouro, era uma questão estatística. Ele enumerou os cinco acidentes que ela teve quando colocou aquele salto agulha. Alguns sem importância, como domingo de manhã na Feira do Largo.

Ele pensou: “Só uma maluca vai de salto agulha na feirinha”. Ela foi. Andava parecendo criança com perna de pau. Na frente da Igreja do Largo desabou em cima dos livros de um vendedor. Outro foi sério: garoava e ela escorregou na rua do Mueller e foi escorregando da calçada para a rua e quase foi atropelada por um carro. Nem ia lembrar os outros. Havia antecedentes. Por fim ele disse que usar salto agulha em Curitiba é dar chance ao azar. Ela colocou vestido preto, meias pretas e sapatos pretos de salto alto. O salto agulha. Eles foram à festa na casa de Gustavo e esposa. Mirtes estava um arraso. Hernani ficou incomodado com o efeito gravitacional do bumbum de Mirtes sobre os olhos dos homens. Parecia chuva de meteoros. Ela adorou. E não aconteceu nada.

A festa acabou, Gustavo e esposa os levaram até a porta. Ela saiu com Hernani e provocou: “Parece que a maldição do salto agulha não apareceu!”. Ele disse: “Não cante vitória muito cedo não”. Acabou de dizer, Mirtes pisou em falso na calçada tipo laje com grama, escorregou, o salto agulha enterrou na grama e ela desabou no chão. Arranhou a perna, rasgou o vestido preto, desmanchou o cabelo, sujou o braço e o bumbum arrebitado. Enfim, não quebrou nada, mas perdeu a pose. Ele a ajudou a levantar e os dois foram depressa para o carro antes que alguém visse. Uma vez no carro, ela disse: “Eu te odeio, Hernani! Foi praga sua. Você jogou mau-olhado no meu sapato. Tudo por ciúme”. Ele não respondeu que não era besta. Ela voltou bufando para casa. E ele tinha certeza que foi a maldição do salto agulha.