A madame que foi morar no cemitério

Inês Augusta era cantora famosa, estava em temporada no Teatro Guayra e parecia nervosa. Ela contou ao detetive Jules Prentiss o que o esperava. A mulher de um médico, Dr. Alberto Meredith, caiu em profunda melancolia e foi morar no cemitério. Este detalhe ele já sabia. Por isto estava ali. Ele perguntou o que a cantora tinha a ver com o caso. Inês Augusta pensou por um minuto em ignorar a pergunta indiscreta, mas respondeu: “Parece que nos apaixonamos!”. Ele entendeu. A cantora que se envolve com um bacana que era casado. Jules Prentiss perguntou o nome da mulher do médico e a cantora respondeu que era Anna Meredith: “E você acha que a melancolia da mulher do médico aconteceu por causa do romance?”. A cantora abaixou a cabeça e respondeu: “Eu tenho certeza. O problema é que depois disso, o nosso caso acabou”.

Ela disse ainda que gostaria de reparar o mal que provocou. E como ouviu falar dele, o chamou. Ele abaixou a cabeça para não rir, enquanto pensava: “Pobre aventureira. Não sabe do que fala!”. Ele pediu detalhes. Inês Augusta contou que os empregados da casa do médico não sabiam o que fazer. A patroa parou de se alimentar, ficou magra como cadáver e deixou de tomar banhos regulares. Mas ninguém esperava o que seguiu: a mudança repentina de Anna Meredith para o cemitério municipal. O médico concluiu que algo estranho aconteceu com sua esposa e ele não sabia o que era. Os demais facultativos locais não produziram diagnóstico aceitável. O médico estava desolado. A rotina familiar era escabrosa. Os empregados levavam alimentos para madame em seu refúgio entre túmulos do cemitério municipal.

A cozinheira Albanira voltava chorando das incursões e tentava dissimular o desalento. Ela dizia: “Ela não vai sair mais de lá. E nunca será a mesma”. Inês Augusta fez o relato enquanto o detetive ouvia e comia silenciosamente. Ele nem se interessou em falar com o médico. Depois do almoço pediu para a cantora acompanhá-lo ao cemitério. A princípio Inês Augusta ficou temerosa. No entanto, o detetive insistiu que não havia nada a temer. Os dois encontraram o farrapo humano em que se transformou a Sra. Anna Meredith. Uma mulher com expressão enlouquecida, cabelos desgrenhados, roupas sujas, encolhida entre mausoléus. Ela tremia. E não olhou os estranhos. Ela murmurava: “Eu perdi os braços e as pernas. Estou morrendo”. Inês Augusta se arrepiou em ouvir aquilo: “Ela está louca?”

O detetive tirou um cigarro de sua carteira, acendeu, deu uma longa tragada e sentenciou: “Quando você me escreveu eu desconfiei. Mas agora, não tenho dúvidas. Em Londres era especialista em malucos. E conheço um a cem metros de distância. Este, por exemplo, é um típico caso de Cotard. E você não tem nada com isso”. O detetive terminou o cigarro, jogou no chão e apagou a ponta fumegante com a ponta do sapato. Ele fez meia-volta e a cantora o acompanhou em silêncio. Do cemitério, os dois foram ao consultório do Dr. Alberto Meredith na Rua Marechal Deodoro, número 83. Ao ver a antiga amante no consultório, acompanhada de um estranho, o médico ficou nervoso. A cantora disse: “Este é o Sr. Jules Prentiss, de quem falei. Acabamos de ver Anna no cemitério”. “E como ela está?”, perguntou o médico. “Pior não seria possível”, disse a cantora.

Inês Augusta acrescentou: “Ela está doente. E você vai tirar ela de lá”. Jules Prentiss disse: “Ela tem a Síndrome de Cotard, meu caro. E você pode fazer alguma coisa”. O médico não conhecia a doença. Prentiss disse; “É um caso raro. Houve um em Londres. Trouxeram de Paris um discípulo de Jules Cotard”. O detetive disse que no caso londrino, a mulher tomou Veronal, um calmante. Mas, talvez, pelo estágio avançado da doença, Anna Meredith tivesse que passar por eletrochoques. Prentiss relatou que era especialista em comportamentos excêntricos e o de Anna era mais um. Prentiss acendeu um cigarro, deu uma tragada e acrescentou: “Tem uma infinidade de enfermidades e outras virão. Vai chegar o dia em que vão descobrir que não há loucura particular, mas uma infinita variedade de comportamentos doentios, que só chamam, atenção quando ficam crônicos”.

O médico pagou as despesas de Prentiss. O detetive dormiu aquela noite na cidade e no dia seguinte foi embora. Nas semanas seguintes, o médico tirou a mulher do cemitério. Ela voltou a comer e embora continuasse com aparência doentia e assustada, não parecia mais um cadáver ambulante. “Talvez um dia ela volte ao normal”, disse o médico para Inês Augusta antes de sua companhia de teatro se despedir da cidade. “Talvez não”, concluiu.