A longa espera pelo primeiro namorado

Quando cheguei, Alice estava lá, no pé da escada da estação tubo da Praça Eufrásio Corrêa, como no portão de sua casa, esperando por ele. Garota de dezesseis anos, morena, calça jeans, sapatos baixos, camiseta branca cavada, revelando belo e jovem ombro moreno, onde caíam densos cabelos castanhos, por sua vez amarrados por um rabicó verde, formando um volumoso rabo de cavalo. Era claro que estava ansiosa. Olhava o celular com frequência, mudava a música para o pequeno fone de ouvido e depois mexia nervosamente com a mão direita no cabelo. Olhava um ponto distante da Avenida Sete de Setembro, na direção do Mercado Municipal. Era sábado à tarde, dia cinzento e avenida quase deserta.

Canaleta percebeu que eu a observava curioso e então me disse baixo que ela estava lá há 35 minutos no mesmo lugar, na mesma posição. Ele cronometrou o tempo porque ela perguntou as horas quando chegou no expresso Centenário-Campo Comprido. E, também, porque, na condição de cobrador, tinha obrigação de saber as horas em todo momento. “Para ver se elas passam rápido”, justificou. Canaleta era simples, atencioso, parecia bom sujeito. Ele tinha cabelos ruivos curtos espetados para cima e muitas sardas no rosto – parecia operário de filme inglês ou roqueiro dos anos 80. As aparências enganam.

Ele gostava de conversar como a maior parte dos cobradores de estações tubo – ficar parado o tempo todo e em silêncio não faz sentido. Foi ele quem disse que o nome dela era Alice. Ele perguntou quando ela chegou e ela respondeu. Canaleta também sabia que Alice esperava o namorado, porque ela estava nervosa e contou para ele que o conheceu no Facebook e era o seu primeiro namorado. “Sei tudo sobre ele”, disse. Combinaram fazer um lanche no McDonald”s do Shopping Estação. Canaleta disse que uma amiga de Alice apareceu, conversou com ela e quando foi embora para o Shopping Estação deu um sorriso e disse: “Boa sorte, hein!”. Alice fez figa e continuou esperando.

Agora, ali, ansiosa, tímida, medrosa. Ou, talvez, com raiva que não se traduz em fúria, mas em lágrima. O meu ônibus chegou e como era sábado à tarde, não tinha o que fazer, eu decidi testemunhar o encontro de Alice com o seu primeiro namorado. Fiquei curioso em saber quem era o tipo e fingi esperar outro ônibus. Canaleta virou o pescoço, olhou para fora e disse: “O céu está cinzento e está acumulando chuva para aquele lado. Ela já está chegando”. Ele não fez curso de meteorologia, mas na condição de cobrador de estação tubo pegou intimidade com os humores do tempo. Não deu outra: em cinco minutos começaram a cair pingos de água.

Canaleta comentou: “É uma garoa fina. Mas daqui um pouco vem mais água”. Alice olhou para Canaleta que falou: “Acho melhor você entrar, se não vai se molhar aí fora!”. Ele a deixou entrar pela porta de saída. Ela não ia pegar ônibus mesmo – para voltar para casa tinha de pegar a estação tubo do outro lado. Ela entrou. Alice veio para o meu lado. De perto parecia miúda, quase criança. Era bonita e o rosto duro – talvez para esconder a decepção. Ela olhou Canaleta e disse: “Quando a chuva parar, eu acho que vou para o outro lado pegar o expresso de volta”. Canaleta não sabia o que dizer. Na realidade, ele não tinha o que dizer. O que é que se diz para uma garota que esperou uma hora o primeiro namorado e o sujeito não apareceu? E agora ele tinha até uma desculpa: choveu. Nada. Nenhuma palavra tampa o vazio que ficou no coração da garota. Ela ainda olhou as horas no celular, olhou o horizonte que contemplou por uma hora, esperando aparecer o rapaz que esperava. Até o horizonte desapareceu sob o manto de água. Alice ficou ao meu lado encolhida e triste. Eu a olhei. Estava magoada. Ela não chorava. Mas, lá fora, a tarde chorava por ela.