A lição que os animais deram na mãe da Sra. Marika

Quando cheguei ao ponto da Avenida Floriano Peixoto, quase esquina com Marechal Deodoro, havia uma pessoa. A Sra. Marika Zalenkova. Eu a cumprimentei. Ela respondeu num português melódico e gracioso. Eu calculei que tinha por volta de 60 anos. Os seus olhos azuis chamaram atenção. Eu me lembrei de reportagem científica que li e na qual o geneticista dinamarquês Hans Eiberg informou que todas as pessoas de olhos azuis que existem no mundo são descendentes de um único homem que viveu no Mar Negro há 7 mil anos. Oito por cento da população da Terra, cerca de 600 milhões, incluindo a Sra. Marika, eram descendentes de um único homem que sofreu uma mutação. Ele ia se transformar em albino, mas o processo foi interrompido e ele ficou com os olhos azuis. Antes, seus olhos eram castanhos.

Após dois minutos de conversa, enquanto esperávamos o ônibus, ela disse como coisa mais natural do mundo: “Em toda a minha vida eu tive apenas um homem. O meu marido, que já morreu. Fui mulher de um homem só. No entanto, minha mãe foi poliândrica”. Eu movimentei a cabeça num gesto positivo como soubesse o que era, mas eu não me lembrava. Pensei em pesquisar quando chegasse em casa. No correr da conversa eu descobri que se tratava de mulher que teve vários maridos. No caso da mãe da Sra. Marika eles não foram simultâneos o que caracterizaria a poliândria. A mãe da Sra. Marika era inglesa e o primeiro marido foi um professor inglês de Torquay. Ela se apaixonou por um anarquista francês chamado Louis com quem foi morar no interior do Paraguai numa colônia com outros anarquistas no final da primeira metade do século passado.

Logo depois ela largou o anarquista francês e se casou com o coronel paraguaio Juan Ortigoza. Em seguida o abandonou e se casou com Hector Villas, um argentino dono do Gran Circo Americano. Embora fosse argentino, a Sra. Marika desconfiava que o quarto marido de sua mãe era cigano. Eu não tinha interesse na história pessoal da Sra. Marika, mas já que ela começou a contar eu fiquei curioso em saber de qual dos quatro maridos de sua mãe ela era filha. Ela disse que não era de nenhum deles porque a sua mãe teve vários amantes incluindo três ou quatro no tempo em que foi casada com o coronel paraguaio. “Era poliândrica, entendeu?”, repetiu a Sra. Marika.

O comportamento dela acarretou contrariedades. O coronel paraguaio matou pelo menos dois amantes da mãe da Sra. Marika antes de se convencer de que ela não se satisfaria com um homem apenas e a deixou livre ou a abandonou. O relato mais interessante sobre a mãe da Sra. Marika foi sobre a sua velhice. Ela ganhou propriedade no interior do Paraguai depois de o casamento com Hector Villas acabar. “Acabou porque o circo faliu. Minha mãe ficou com pena dos animais e os levou para uma propriedade no interior do Paraguai”, contou. Neste local, a mãe da Sra. Marika plantou sementes de várias árvores e flores para fazer um jardim exótico e instalou uma espécie de arca de Noé.

“Ela reuniu todos os animais que encontrou. Tinha macacos, um tigre velho, cobras e jacaré. Tinha galinhas, gansos e cachorros. Cabras, aves e pombos. Cordeiros, tartarugas e papagaios. Minha mãe queria que todos vivessem em harmonia”, disse a Sra. Marika. No entanto, o tigre velho comeu o cordeiro, perseguiu as cabras e duas delas caíram num riacho e morreram afogadas. As aves comeram as sementes do jardim, os gatos comeram os pombos e os cachorros atacaram os gatos. Eu me impressionei com o relato e quis saber como terminou a experiência. A Sra. Marika disse: “Morreram muitos animais. Minha mãe disse que os sobreviventes se transformaram numa grande e harmoniosa família”. Eu pensei naquilo. A Sra. Marika com seus grandes olhos azuis sorriu e com seu português melódico e gracioso disse: “É o que vai acontecer com a humanidade. Depois de se reproduzir e se matar, se não destruir o planeta, os sobreviventes certamente farão uma nova sociedade harmoniosa. Mas isto vai demorar muito”. Eu a olhei perplexo. O Água Verde-Juvevê chegou, ela entrou e eu fiquei sozinho esperando o Água Verde-Abranches.