Minha avó tinha muitas histórias educativas, com fundo moral, para servir de lição para a gente quando crescesse. Algumas eram bacanas, mas outras eram horripilantes. A gente ficava até com medo de ficar adulto e ter que enfrentar as situações mencionadas, sem seguir os receituários que ela apregoava. Um dos mais populares adágios era o seguinte: “Grávida sempre tem razão. Nunca discuta com o desejo de uma grávida se não quiser que o problema recaia sobre quem não tem nada com isso, que é a criança que vai nascer”. A mulher quer comer estrogonofe às 3 horas da manhã? Levanta e dê um jeito. Porque a grávida sempre tem razão. Onde encontrar estrogonofe às 3 horas da manhã? Problema do marido.  

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Ela contou a seguinte história: “Certa vez na Bahia uma mulher ficou grávida e quis comer um pedaço da batata da perna do marido. Tinha que ser assado”. Olha a história da velha! “Era desejo e desejo de grávida não pode ser contrariado”, acrescentou na segunda frase. O marido lembrou o que ouviu dos antepassados, pegou a faca, cortou um pedaço da batata da perna, assou e deu um pedacinho assado para a mulher que comeu, gostou e, dias depois, quis mais. Aquilo era dolorido. Ele repetiu a dose, meio preocupado com o estado que a sua perna estava ficando. A mulher pediu um terceiro pedaço uma semana depois da segunda vez. O marido olhou a batata da perna e concluiu que naquele ritmo ia ficar sem batata e sem perna.

Então ele tomou a decisão de dar um basta no estranho desejo. Desejo de grávida era uma coisa, canibalismo era outra e mutilação é coisa macabra. Ele disse: “Não vai ter mais batata de perna. Chega!”. A mulher ficou com vontade de comer mais um pouco, mas considerou a situação constrangedora. E se aquietou. Neste ponto da narrativa, minha avó fazia pausa dramática, para deixar um clima de mistério no ar. E a gente ficava de olho arregalado, pensando em perguntar: “E aí, o que aconteceu?”. Finalmente minha avó arrematava: “O menino nasceu sem uma perna!”. E repetia feito pregadora batista: “As grávidas sempre tem razão!”.

O que uma coisa tinha a ver com outra ela não explicou. A seu modo ela dizia que havia mais entre o céu e a terra do que supunha nossa ingênua filosofia. Contrariar desejo de grávida era roubada. A gente se apavorava. No meu caso, fiquei com medo de casar com uma dona que na gravidez quisesse comer a minha perna. O mais duro foi constatar que esse negócio de desejo de grávida é serio: a ciência reconhece que existe, mas não explica. Eu cresci ouvindo grávidas com desejos estranhos. Uma prima quis chupar prego e outra tomou água de chuva. Amigas chuparam pedra de gelo, limão com sal, manga verde com sal e limão, abacate verde e outra cheirava bolinha de naftalina e vidro de acetona. 

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Nossas vizinhas falavam de casos em que a grávida queria comer fruta – destas que só nasciam dali a seis meses – e o marido não conseguiu a tal fruta e o bebê nasceu com a boca aberta. E a boca não fechava. Enfim, ouvi muita história maluca sobre grávida. Agora, tem que tomar cuidado. No afã de saciar o desejo de uma grávida, o marido não pode dar algo para ela ingerir que possa fazer mal a ela – ou ao bebê. Eu passei por uma experiência parecida. A minha mulher estava grávida de nosso primeiro filho e sentiu vontade de comer feijoada numa segunda-feira. Eu trabalhava, não tinha feijoada em lugar nenhum e no desespero comprei feijoada enlatada no supermercado de um português. A aparência não era boa e a marca desconhecida. A tampa da lata estava enferrujada. Mas foi a única que achei.

Eu não seria maluco de ignorar desejo de grávida. Esquentei, servi. O cheio era bom. Mas temi pelo resultado. Minha mulher comeu com gosto. Vinte minutos ela fez cara estranha e num golpe vomitou tudo no chão da cozinha. Eu limpei e perguntei: “Você quer mais?”. Ela estava pálida e disse não. Eu fui trabalhar tranquilo. Atendi o desejo da grávida e aquele troço estranho foi expulso do estomago dela. Não faria mal a ninguém. Minha filha nasceu bonita, perfeita e saudável. Mas não foi fácil.

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