A conversa ia bem até Arquimedes resolver tirar onda pra cima de Agenor, que era flor de pessoa, mas virava bicho quando alguém mexia com a família. E família era o pai, Demerval, carroceiro que criou três filhos vendendo verduras e frutas nos bairros da cidade, depois que a mulher fugiu com o leiteiro. Esta é uma história do tempo em que havia leiteiro e carroceiro, naturalmente. E os leiteiros nem sempre se contentavam em entregar o leite.

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Agenor tinha capacidade de baixar a bola que chegava a irritar. Quando alguém tirava onda com a mãe, que largou tudo para fugir com o leiteiro, ele ria sem graça, até fazia troça para desarmar o outro. Mas não mexesse com o velho carroceiro que virava jumento furioso. E foi neste vespeiro que Arquimedes se meteu. Ele disse: “Eu acho que tua mãe fugiu com o leiteiro porque teu pai não deu conta do recado”. Arquimedes passou a fronteira do suportável para qualquer sujeito.

Agenor ficou vermelho. E ninguém pode subestimar ninguém, porque qualquer um pode ter bala na agulha. Agenor tinha. Ele disse com voz mansa e firme que nem a Torre Eiffel: “Por falar em dar conta do recado, estou sabendo que teu pai anda de madrugada nos armazéns-gerais procurando estivadores para levar bafo na nuca”. Aquilo teve efeito de tiro de canhão. Arquimedes ficou pálido.

Os outros camaradas na roda fingiram que não ouviram e se prepararam para separar os dois na hora da atracação, para evitar escoriações e ferimentos leves. Arquimedes disse gaguejando: “Respeite meu pai, que está até hoje com minha mãe”. Agenor se sentiu no comando e disse: “Eu respeito, você tem que pedir pra ele parar de pagar os estivadores para não respeitar ele”. Jogo pesado.

Quando Arquimedes se preparou para um ataque fulminante, Genésio, que não suportava o ar arrogante de Arquimedes e também não suportava o assédio moral, intelectual e boçal pra cima de Agenor, entrou na parada e disse: “Olha Arquimedes, tenho amigo no sindicato e ele disse que dois brutamontes receberam grana de teu velho”. Foi a pá de cal.

Se era verdade ou não, ninguém soube. Mas fez efeito. Arquimedes percebeu que se engrossasse, ia levar a pior. Olhou Agenor e perguntou: “O que vocês querem dizer com isso?”. Genésio nem deixou Agenor responder e se adiantou: “A gente quer dizer que é sempre bom tomar cuidado, porque toda fera pode ter um pai que é uma donzela!”. Arquimedes nunca mais deu as caras por ali.

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